Num tempo onde os lagos ainda sussurravam as histórias do mundo, vivia um menino curioso chamado Kawá. Ele gostava de andar pelas margens do lago Dzurió, ouvindo o vento e conversando com os animais.
Certa manhã, ao brincar entre as pedras e as flores do brejo, Kawá avistou uma grande ave de penas cinzentas e bico forte. Era o Maguari, o guardião das águas e das lembranças antigas.
— Maguari, — disse Kawá com os olhos brilhando — é verdade que você carrega os bebês no bico e os entrega nas casas para que nasçam?
O Maguari pousou com elegância e respondeu com voz serena:
— Não, meu pequeno amigo. Essa história não nasceu aqui. Veio de longe, com os ventos da colonização. Um dos meus parentes distantes, a Cegonha-branca, vive nas terras da Europa. Foi lá que começaram a dizer que ela trazia os bebês nos bicos.
Kawá franziu a testa, curioso:
— Mas por que dizem isso?
O Maguari explicou com paciência:
— Os seres, Kawá, não vivem apenas no mato ou no céu. Eles também vivem nas memórias das pessoas. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, trouxeram suas tradições, suas crenças e histórias. A Cegonha-branca passou a viver aqui também — não no ar, mas no coração das famílias que acreditam nela.
Kawá pensou um pouco e então disse sorrindo:
— Então, se eu acreditar, ela pode trazer um menino para nossa casa?
O Maguari respondeu com um leve bater de asas:
— Pode sim. Porque as tradições vivem onde há fé, sonho e mistura. E o Brasil, meu pequeno Kawá, é feito de muitas crenças — de indígenas, de africanos, de europeus. Somos um povo de muitas memórias.
E, com um último olhar de sabedoria, o Maguari alçou voo, deixando Kawá com um novo entendimento: que a força dos seres está tanto na natureza quanto nas histórias que escolhemos guardar.
Moral da fábula:
As tradições viajam pelo tempo e vivem na memória dos povos. Quando acreditamos, os seres ganham vida — seja nas águas, no céu ou no coração da gente.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó

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