segunda-feira, 4 de agosto de 2025

KAWÁ E O MAGUARI, A Fábula do Menino e a Ave da Memória

 






Num tempo onde os lagos ainda sussurravam as histórias do mundo, vivia um menino curioso chamado Kawá. Ele gostava de andar pelas margens do lago Dzurió, ouvindo o vento e conversando com os animais.


Certa manhã, ao brincar entre as pedras e as flores do brejo, Kawá avistou uma grande ave de penas cinzentas e bico forte. Era o Maguari, o guardião das águas e das lembranças antigas.


— Maguari, — disse Kawá com os olhos brilhando — é verdade que você carrega os bebês no bico e os entrega nas casas para que nasçam?


O Maguari pousou com elegância e respondeu com voz serena:


— Não, meu pequeno amigo. Essa história não nasceu aqui. Veio de longe, com os ventos da colonização. Um dos meus parentes distantes, a Cegonha-branca, vive nas terras da Europa. Foi lá que começaram a dizer que ela trazia os bebês nos bicos.


Kawá franziu a testa, curioso:


— Mas por que dizem isso?


O Maguari explicou com paciência:


— Os seres, Kawá, não vivem apenas no mato ou no céu. Eles também vivem nas memórias das pessoas. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, trouxeram suas tradições, suas crenças e histórias. A Cegonha-branca passou a viver aqui também — não no ar, mas no coração das famílias que acreditam nela.


Kawá pensou um pouco e então disse sorrindo:


— Então, se eu acreditar, ela pode trazer um menino para nossa casa?


O Maguari respondeu com um leve bater de asas:


— Pode sim. Porque as tradições vivem onde há fé, sonho e mistura. E o Brasil, meu pequeno Kawá, é feito de muitas crenças — de indígenas, de africanos, de europeus. Somos um povo de muitas memórias.


E, com um último olhar de sabedoria, o Maguari alçou voo, deixando Kawá com um novo entendimento: que a força dos seres está tanto na natureza quanto nas histórias que escolhemos guardar.


Moral da fábula:

As tradições viajam pelo tempo e vivem na memória dos povos. Quando acreditamos, os seres ganham vida — seja nas águas, no céu ou no coração da gente.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




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