A Fábula do Urubu-rei e Urubu-mirim
No tempo em que o vento ainda sussurrava nomes antigos às pedras, havia um morro sagrado chamado Ybyty Uruvueté — o Morro do Urubu Verdadeiro.
Ali, sobre as correntes invisíveis do céu, morava Uruwu-Papa, o Urubu-rei, a grande ave negra que conhecia os segredos do Opará e as histórias escondidas nas margens do rio.
Certo dia, Urubu-mirim, seu pequeno filho de asas ainda tímidas, aproximou-se e perguntou:
— Pai, como nasceu a aldeia que respira lá embaixo, no outro lado do Opará entre a Serra da Maraba e Apreaca?
O velho Urubu-rei abriu as asas como quem abre um livro de nuvens e respondeu:
— Ouça bem, pequeno, porque esta história não é só nossa: é de todos que têm sangue e memória. Há muitas estações de lua, os homens de batina vieram, juntaram quatro povos que antes voavam livres como nós — Kariri, Karapotó, Aconã e Tupinambá. Dessa união, ergueram a Aldeia Urubu-mirim, lembrando-se de nós e do morro que nos abriga.
O vento soprou forte, levando a voz do pai pelas pedras, mas ele continuou:
— "Urubu-mirim" é nome que pode ser de filhote, mas também da menor das sete espécies, o Urubu-de-cabeça-preta chamado de Urubuakangauna que voa baixo, mas enxerga longe. Com o tempo, os homens de batina foram embora, expulsos em 1759, e a aldeia passou a se chamar Aldeia do Colégio. Mais tarde, quando o sol de 1876 brilhou sobre a liberdade política, recebeu o nome de Porto Real do Colégio.
A cidade nasceu da Aldeia do Colégio, que ali reuniram os povos indígenas da região formando os Kariri-Xocó. Muitos anos depois com a chegada de portugueses e africanos formou a Vila de Porto Real do Colégio.
O pequeno urubu baixou os olhos, como quem sente o peso das asas que um dia carregará.
— E o que é mais importante, pai? — perguntou.
O velho rei ergueu o bico e olhou para o horizonte avermelhado:
— Mais importante que nomes é a lembrança, filho. Porque um povo que esquece suas raízes perde o vento que sustenta o voo.
E assim, naquele dia, Urubu-mirim prometeu que, quando voasse sozinho, contaria essa história a cada ave, criança e ancião que encontrasse pelo caminho.
E até hoje, quando o vento passa pelo Ybyty Uruvueté, ele carrega um sussurro:
"Quem conhece as raízes, sustenta fortes as asas."
Autor: Nhenety Kariri-Xocó

Nenhum comentário:
Postar um comentário