Literatura de Cordel
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
Parte Única
O lugar que todos nascemos
Nunca podemos esquecer
Onde ficam nossas origens
Devemos mesmo fortalecer
Ouvindo velhas histórias
A memória vai estabelecer .
Há muito tempo atrás
Contam os mais antigos
Na Aldeia Kariri-Xocó
De dois irmãos e amigos
Nas bandas do São Francisco
Longe de todos perigos .
Eram filhos da Mãe Terra
Os dois irmãos no mundo
Um era Patã o outro Porã
Do povo indígena oriundo
Viviam alí sempre juntos
Fruto do amor profundo .
Na oca onde Patã vivia
Porã também morava
A Mãe Terra toda orgulhosa
Dessa união que brotava
Era bonito ver eles assim
Numa tradição que acreditava .
Na aldeia meio a floresta
Um belo dia uma novidade
Chegou a escola civilizada
Com estudo na urbanidade
Serviço de Proteção ao Índio
Havia chegado na comunidade .
Patã logo se interessou
A Mãe Terra pediu permissão
Para frequentar a escola
O mundo queria compreensão
Como seria fora da aldeia
Estudar e ter profissão .
A Mãe Terra tudo sabendo
Que Patã logo continuaria
Percorrendo seu caminho
Na opinião não recuaria
Aceitou a decisão do filho
Portanto ela respeitaria .
Porã não entendia porque
O irmão dava importância
Tanto para aquela escola
A aldeia tem na abundância
Tudo que poderiam aprender
Nós temos em predominância .
No dia a dia na natureza
Nossos anciões ensinavam
Na escola que Patã gostava
A felicidade alí mostravam
Da vida bem fora da aldeia
Nossa Mãe aqui presenteavam .
Aos poucos o menino foi
Através dos livros conhecendo
Paisagens de Terras distantes
Os estudos lhes esclarecendo
Cidades, carros e tudo mais
Um mundo novo reconhecendo .
E a cada dia que passava
Ele sonhava em um dia poder
Quando atingir maioridade
Sair da aldeia e compreender
Tudo que os olhos viu pelos livros
Para aquilo ele empreender .
Em um dia de chuva Patã foi
Embora sem se despedir
Apareceu uma oportunidade
No avexame teve que decidir
Não pode ver seu irmão
Saiu pelo mundo sem iludir .
Foi conhecer o que era novo
Para trás sem menos olhar
Os dois irmãos se separaram
Muitas coisas não partilhar
Seria uma despedida breve
Nem isso pode compartilhar .
Seguiram rumos diferentes
Porã cresceu prestando atenção
Tudo que acontecia na aldeia
Para sua cultura a manutenção
Aprendia histórias com anciões
De toda a tribo ela tinha benção .
Porã foi muito dedicado
Um aprendiz da sua tradição
Casou teve família na mata
Com coragem e disposição
Ao lado de seus parentes
Os animais como contribuição .
Patã conheceu o mundo inteiro
Ficou rico muito famoso
Casou vivendo feliz na cidade
Tinha carro além de charmoso
Às vezes pensava na aldeia
Sem parentes ficava lacrimoso .
Com essa nova realidade
Patã estava convencido
Que seu lugar agora era ali
A riqueza do mundo oferecido
Um vida cheia de mordomia
Nem tudo havia desvanecido .
Patã sentia que faltava algo
Mas o que poderia de fato ser
Sentia um vazio imenso
O imaginário a contradisser
Não tinha solução do caso
Deixou o tempo se depuser .
Um dia visitou o zoológico
Com seus filhos acompanhado
Avistou uma onça pintada
Lembrou do tempo aldeado
Onde a felina era sua irmã
Do seu clã no significado .
Resolveu tirar férias e viajar
Para o lugar onde teria nascido
Lembrar quando era menino
Onde saiu de lá bem crescido
Queria chegar logo na tribo
Do meu São Francisco querido .
Ao chegar na aldeia correu
Para Porã com ele encontrar
Os irmãos se reconheceram
No longo abraço a demonstrar
Chorando de tanta saudade
Começaram logo a palestrar .
No passeio os dois irmãos
Patã diz tem casa para abrigar
Um emprego que lhe sustenta
Carro do bom para junto viajar
Mas ainda sinto todo um vazio
Que não consigo enxergar .
Porã respondeu sou a Natureza
Me abriga do Sol que me aquece
O rio que sempre me alimenta
Na tradição nativa que fortalece
Ainda assim sinto um vazio
A precariedade me desfavorece .
Um irmão olhou logo para o outro
Ao mesmo tempo ao outro falaram:
Patã como seria a Terra lá de fora?
As coisas que povos contemplaram
Porã como é a Terra aqui de dentro?
Na cultura que sempre continuaram .
Os dois irmãos se uniram
Ensinando que tinha aprendido
Um ao outro novamente
O que ambos havia regredido
Durante esses anos todos
Do tempo que passou sucedido .
Porã devolveu para Patã
A Terra que o irmão esqueceu
E Patã apresentou a Porã
Na Terra do irmão não conheceu
Mãe respirou novamente feliz
Toda comunidade compareceu .
Que não consigo enxergar...
Porã falou: — Sou Natureza!
Sou sombra, sou Sol a brilhar,
O rio me dá fortaleza.
Na tradição vou habitar,
Mas carrego uma tristeza.
A vida é dura, sem favor,
A carência me adoece.
Um irmão olhou com amor,
E em uníssono, acontece:
— Patã, como é teu sabor
Na Terra que te enriquece?
— Porã, qual é tua raiz
Na Terra de encantamento?
Que cultura é quem te diz
O valor de um sentimento?
Que tradição te faz feliz
Nos cantos do firmamento?
Os dois irmãos se abraçaram
Com saberes do passado.
Juntos então caminharam
Com um sonho reencontrado.
As memórias despertaram
O que estava silenciado.
Porã deu a seu irmão
A Terra que ele esqueceu.
E Patã, com o coração,
Mostrou o que conheceu.
Mãe-Terra sorriu então,
E o povo todo acorreu.
DADOS BIOGRÁFICOS DO AUTOR:
José Nunes de Oliveira ( Nhenety ), indígena Kariri-Xocó, nasceu dia 10 de setembro de 1963, no município de Porto Real do Colégio-AL, filho de Alírio Nunes de Oliveira e Maria de Lourdes Ferreira dos Santos. José Nunes é o nono filho do casal, é casado com Joana dos Santos Nunes, com quem tem quatro filhos, Euclides Santos Nunes, Rayane Santos Oliveira, Awbiran Santos Nunes e Layane Santos Nunes. José Nunes é escritor, mestre da cultura popular, cordelista, atua na ONG Thydewá na produção de Ebooks, blogueiro. José Nunes já percorreu o Brasil inteiro , divulgando a cultura do Povo Kariri-Xocó em fóruns, congresso, seminários, palestrante. Atualmente atua na Aldeia onde mora , mas estar sempre focado na cultura dos povos do Baixo São Francisco, em reuniões online em LIVES temáticas como Consultor.
Consultado por meio da ferramenta ChatGPT (OpenAI), inteligência artificial como apoio para elaboração da capa do cordel dia 21 de abril de 2025.