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domingo, 11 de maio de 2025

A TRILHA DOS QUE RESISTEM – O Conto de Tarobá (Parte II)

 




O tempo correu como o rio Opara, levando dias e trazendo lembranças. Depois da primeira visão dos homens brancos, o mundo dos Natu começou a mudar. Os antigos sabiam que aquele encontro era o prenúncio de um longo caminho de sombras e resistência.


Vieram outros navios. Não traziam só palavras, mas machados e ambições. Cortavam árvores como se cortassem almas. Em troca, davam ferramentas de ferro, contas coloridas e promessas vazias. O povo ainda cantava, dançava e pintava os corpos, mas a mata começava a silenciar.


As primeiras guerras explodiram no litoral como trovões de fúria. Os Natu, com arcos nas mãos e coragem no peito, enfrentaram o desconhecido. Muitos caíram. Os que restaram subiram rio acima, deixando as cinzas da aldeia para trás. Refugiaram-se entre as serras, escondidos nos veios da mata espessa, onde os espíritos ainda caminhavam com eles.


Foi ali que os missionários chegaram. Padres com cruzes, livros e promessas de paz. Diziam que queriam ensinar, mas antes queriam ordenar. Juntaram os sobreviventes com outros povos — Kariri, Karapotó, Aconã, Xocó — sob um só nome. Era o início do povo Kariri-Xocó.


Tarobá, já mais velho, caminhava entre os novos fogos, ouvindo as línguas misturadas e os cantos que se reinventavam. Ele dizia:


— Podemos ter um novo nome, mas não perderemos nossa alma. O canto do Opara ainda corre em nosso sangue.


As crianças ouviam, sentadas ao seu redor, e repetiam o nome dos pássaros, das árvores, dos peixes e das estrelas em sua língua antiga. Tarobá sabia: enquanto houvesse memória, haveria luta. Enquanto houvesse canto, haveria espírito.


E assim, mesmo cercados por novos caminhos, mantinham viva a trilha dos que resistem.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



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