Na aldeia, onde o rio canta suas histórias e o vento sussurra segredos ancestrais, havia um tempo em que as brincadeiras nasciam do barro e da imaginação. Lá, as crianças corriam livres, com os pés na terra e o coração na fantasia, criando mundos com suas próprias mãos. Era o tempo dos "Bunhá do Benhekié", os brinquedos de barro.
Bonecas, bois, panelinhas, cavalos, carros e até aviõezinhos — tudo nascia do barro molhado, moldado com cuidado, secado ao sol, queimado no forno junto às cerâmicas, e depois pintado com cores vivas. Esses brinquedos não vinham das lojas dos brancos. Vinham das mãos de um homem sábio, de um mestre do barro, chamado Pedro Muirá — o Bunhá duboherí.
Pedro era primo da minha avó Júlia Muirá, e para nós, era mais que família — era um encantador de infância. Enquanto os filhos dos brancos brincavam com brinquedos de ferro e plástico colorido, nós, crianças indígenas, olhávamos de longe, desejando aquilo que não podíamos ter. Às vezes, chorávamos, sentindo a distância entre os mundos. Mas Pedro, com sua voz mansa e firme, nos dizia:
— Não chorem, crianças. Vou fazer brinquedos de barro para vocês.
E fazia. Ah, como fazia! Com paciência e amor, moldava cada forma com seus dedos sábios. Quando os brinquedos estavam prontos, e coloridos com tintas da alegria, ele os entregava a nós como quem entrega um pedaço da infância encantada.
A aldeia se iluminava com os sorrisos das crianças. O riso ecoava entre os cajueiros, os coqueiros e o velho maracá de toré. Cada boneca de barro tinha um nome. Cada boizinho de argila tinha uma história. E Pedro, o nosso tio Pedro, era o herói das tardes ensolaradas.
Ele não guardava sua arte só para a aldeia. Na sexta-feira, levava sua criação para a feira de Porto Real do Colégio. Lá, seus brinquedos encantavam os olhos de todos e eram vendidos num piscar de olhos. Pedro era respeitado como mestre, não só por seu talento, mas por manter viva a memória moldada no barro da tradição.
Hoje, os brinquedos dos brancos são eletrônicos, falam, se movem sozinhos e até piscam. Mas nenhum deles tem o cheiro da terra, o calor do forno, a mão do artista e o espírito do povo. Nós, que carregamos a cultura no peito, nunca vamos esquecer o tempo dos Bunhá do Benhekié. Nunca vamos esquecer o nosso tio Pedro Muirá — o escultor de sonhos, o criador de infâncias.
Porque na terra dos Kariri-Xocó, o barro também fala. E ele conta histórias de amor, resistência e alegria.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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