Os numerais que temos registrados são os seguintes:
Dzubukuá
1 = bihè
2 = witane
3 = witanedique
4 = ?
5 = ?
6 = ?
7 = ?
8 = ?
9 = ?
10 = kedamoedha
Kipeá
1 = bihé
2 = wacháni
3 = wachanidikié
4 = sumarã orobae
5 = mŷ bihé misã saí (levar uma mão para ele)
6 = mŷreprí bubihé misã saí (levar uma mão junto com um (dedo) para ele)
7 = mŷreprí wacháni misã saí (levar uma mão junto com dois (dedos) para ele)
8 = mŷreprí wachanidikie misã saí (levar uma mão junto com três (dedos) para ele)
9 = mŷreprí sumarã orobae misã saí (levar uma mão junto com quatro (dedos) para ele)
10 = mŷcribae misã saí (levar todas as mãos para ele)
20 = mŷcribae misã idehó ibŷ saí (levar todas as mãos incluindo os seus pés para ele)
Kamurú
1 = liauigäboh
2 = liauithikanihüh
3 = liauithikanihühke
4 = ibichó
5 = ibichó
Começando com o Dzubukuá e Kipeá, vamos para BIHE
1) BIHÈ/BIHÉ 'um'
A raiz BI para um parece ter conexão direta com os morfemas vistos nas palavras:
Xavante: mitsi 'um'
Xerente: pisi 'único'
Enquanto hè/hé, que também surge como ho no Kipeá em woibiho provavelmente tem relação direta com um verbo que significa 'cortar', também visto no:
Xerente: ké 'cortar'
Essa palavra surgiu com essa pronúncia a partir de um estágio intermediário de *gé, o processo fonético que levou a isso deve ser o mesmo pelo qual o Natú passou com gôzê 'jacaré' de um antigo *ku-sê 'jacaré-animal', este -sê/-zê sendo visto desvozeado em sêprun 'veado'.
De acordo com Diana Green em sua publicação ""Diferenças entres os termos numéricos em algumas línguas indígenas do Brasil", o Xavante tem no composto mi-tsi duas palavras mi 'lenha' + tsi 'só', indicando que BI-HÈ seria '(um) corte de lenha'.
2) WITANE / WACHÁNI / LIAUIWITHIKANIHÜH
A palavra que surge nas sílabas -tane/-chani/-kani provavelmente deriva de um verbo Terejê, cujo é cognato de:
Xerente: kannãrĩ 'colher (dual ou plural)'
Levando em consideração o que foi discutido sobre codas (neste caso -rĩ), sobre o alçamento vocálico (a, ã > ɪ), palatalização (k > ky > c > ts, t, ch), a forma Terejê provavelmente soaria como *kána 'cortar (dual, plural), a composição dele com o prefixo wa-/wi- parece ser uma forma de indicar que se trata de uma palavra que está sendo contada de alguma forma, tal teoria é confirmada pelo seu uso indiscriminado nos três primeiros números do Kamurú, comecemos com ele para voltar para o Kp e Dz:
li-a-wi-thi-kani é uma junção de alguns elementos que podem ser encontrados em um dicionário Xerente de 1999:
li significa 'colher'
AWITHIKANI-HÜH é um substantivo com mais verbos referente à ação de colher, primeiro temos A- que é o prefixo comum de derivação de substantivos (como visto no Xokó tsá e atsá 'fogo'), WI deriva da mesma raiz que derivou o Xerente wẽkẽ 'quebrar, colher' (do que pude encontrar no dicionário, wẽkẽ não parece ser composto de wẽ + kẽ, o que indica que a segunda sílaba não é uma palavra independente e sim uma extensão de uma antiga coda -k, portanto algo como *wẽk), isso explicaria sua variação entre WI do Dz e Km mas WA no Kp, THI talvez seja uma variante do Kamurú do verbo TÁ 'pegar' do Kipeá, mas pode ser derivado também do mesmo verbo que TI 'botar, escolher', por último temos KANI que deriva do verbo reconstruído acima como *kana 'cortar (dual)', indicando que duas pessoas colhem tal objeto, portanto indicando o número 'dois', daí temos:
Dz.: wi-tane 'colher-cortar(du)'
Kp.: wa-cháni 'colher-cortar(du)'
Km.: li a-wi-thi-kani colher NMLZ-colher-escolher-cortar(du)'
Normalmente verbos duais são usados para a primeira pessoa 'nós dois', então existe a chance de WI-/WA-/WI- na verdade serem os pronomes do Terejê que vimos no Wakonã ba-skiô 'eu, comigo', o que ainda faria sentido na forma que as palavras foram herdadas, sendo a segunda possibilidade:
Dz.: wi-tane 'nós dois cortamos'
Kp.: wa-cháni 'nós dois cortamos'
Km.: li awithikani-hüh 'é coisa colhida que nós dois escolhemos e cortamos'
3) LIAUIGÄBOH 'um'
Aproveito que agora que expliquei a etimologia do número dois, também darei a do número 'um' do Kamurú, que é facilmente explicada como um método similar ao visto no número 'dois'
Se for um verbo conjugado na primeira pessoa (WI), pode ser que seja:
li a-wi-gäboh
GÄBOH sendo neste caso um verbo que signifique 'cortar', só que no singular, ao invés do dual ou plural, portanto sendo:
li a-wi-gäboh 'colher coisa que eu reparti'
Seu cognato direto é o Xerente kapoko 'rachar, repartir, lascar'
4) WITANEDIQUE / WACHANIDIKIE / LIAUIWITHIKANIHÜHKE
A palavra para 'três' deriva da mesma construção que 'dois', juntando duas partículas comuns a todos -KE / -KIE / -KE, se seguirmos os parâmetros deixados por Mamiani, essa vogal registrada variava entre /e/ ~ /ɛ/ ~ /ə/, o Kamurú indica que é pronunciado como e, mas não é tônico, por isso é escrito [ke] ao invés de [keh], o que nos ajuda a procurar seu cognato em outras famílias da América do Sul.
Primeiro olhemos para o número Kamurú:
li awithikani-hüh ke
Como vimos no número 'dois', esse número é uma frase que se traduz como 'é coisa colhida que nós escolhemos e cortamos', incluíndo ke na frase significa que mais uma ação foi feita com estes dois itens, nesse caso parece que houve mais uma repartição, visto que o cognato mais aproximado se encontro no:
Xerente: ke 'cortar' ou kẽ 'quebrar, partir'
Isso significa que das duas pessoas que escolheram algo, cortaram essa coisa e colheram, uma das duas pessoas hipotéticas ainda foi além e repartiu sua porção, criando um terceiro item dos dois primeiros colhidos, isso pode ser exemplificado com duas pessoas pegando gravetos e uma delas quebrando um dos gravetos no meio, assim criando três deles, isso explicaria por que a partir do número 4, 5 e adiante, as duas línguas Kariri que os tem (Kipeá e Kamurú) discordam em como expressar esses números, pois os números mais antigos são os três primeiros, sendo o 2 e o 3 os mais garantidos de serem preservados, então os Kariri expressavam desde os tempos antigos os números das seguintes formas:
1 = lenha cortada ou 'eu sozinho reparti (algo)'
2 = 'nós dois cortamos e colhemos (algo)'
3 = 'nós dois cortamos e colhemos e depois quebramos um dos itens'
5) SUMARÃ OROBAE 'quatro'
Eu expliquei a etimologia deste no passado, SUMARÃ aqui está sendo usado para denotar oposição, do mesmo jeito que foi usado no Katecismo Indico quando se falava dos pecados e dos remédios contra eles:
Katecismo Indico, pág. 69
Iwanhuquie umanran hany jwanhutce
"Caridade contra a Inveja"
Portanto podemos presumir que o número quatro está em oposição a alguma coisa, essa coisa sendo OROBAE, a única palavra que bate com essa é ROBAE 'todos', vista no Catecismo de Mamiani, cognata do Dzubukuá loboe 'todos', a palavra pode ser derivada de um substantivo Natú:
Natú: AROBÀ 'todas as coisas, tudo', fazendo com que seja portanto SUMARÃ OROBAE 'contrário a todas as coisas', essas "coisas" sendo os dedo anteriormente mencionados, que derivam das coisas que foram cortadas (1), escolhidas, colhidas por duas pessoas (2), cujo uma dessas coisas foi repartida por uma delas (3), portanto uma adição extra que não havia antes neste cenário hipotético.
6) IBICHÓ 'quatro' e 'cinco'
A palavra Kamurú para números maiores que 3 é mesma, neste caso é um substantivo sendo conjugado como verbo, vimos que BI tem relação com MI 'madeira, lenha' do Xavante, também adiciono que no Dzubukuá existe o sufixo -iho 'muito', cujo é talvez o cognato deste -chó que vemos aqui, portanto temos:
I-BI-CHÓ 'é muita lenha' > 'muito'
Este portanto não teria relação direta com IBICHÓ 'pessoa' que é possivelmente cognato de BYDZOHO 'alguém, ninguém, todos' do Dzubukuá.
7) MŶ BIHÉ MISÃ SAÍ 'cinco'
A partir daqui os números serão apenas Kipeá, e o cenário estabelecido nos números 1, 2 e 3 não será mais usado, no lugar deste, um novo cenário é posto, onde a pessoa hipotética 'leva' (MŶ) uma mão (BIHÉ MISÃ) para ele ou ela (SAÍ), ele/ela sendo uma pessoa hipotético número 2 com qual a pessoa número 1 estava conversando.
8) MŶREPRÍ .... 'seis', 'sete', 'oito', 'nove'
A partir daqui a contagem torna-se a partir do verbo MŶ modificado para MŶREPRÍ, essa palavra se trata de um verbo que derivou do Natú, sendo mŷ-ré-pri 'levar-com-avançar', sendo PRÍ cognato do Xavante pra 'correr, avançar', portanto o verbo fala todas as informações que no português ficaria
mŷreprí bubihé misã saí 'LEVAR uma mão COM ADIÇÃO de um (dedo) para ele(a)' > 'seis'
mŷreprí wacháni misã saí 'LEVAR uma mão COM ADIÇÃO de dois (dedos) para ele(a)' > 'sete'
mŷreprí wachánidikié misã saí 'LEVAR uma mão COM ADIÇÃO de três (dedos) para ele(a)' > 'oito'
mŷreprí sumarã orobae misã saí 'LEVAR uma mão COM ADIÇÃO de quatro (dedos) para ele(a)' > 'nove'
PRI também tem chance de derivar da mesma raiz que PRIBAE 'totalmente', dando a ideia de 'levar ao todo X dedos e uma mão para ele(a)'
10) MŶCRIBAE MISÃ SAÍ 'dez'
Dez modifica o verbo novamente, dessa vez o modificador é uma palavra que foi registrada por Mamiani, CRIBAE 'todos', portanto:
MŶ-CRIBAE MISÃ SAÍ 'levar todas as mãos para ele(a)'
20) MŶCRIBAE MISÃ IDEHÓ IBŶ SAÍ 'vinte'
Mamiani não conta os números de 11 a 19, talvez por conta da falta de espaço no seu documento ou por não querer repetir tudo, pode-se presumir que se fosse para contá-los seria com as estruturas propostas aqui, por exemplo:
mŷcribae misã saí sumarã orobae = 14
O número vinte continua o tema do número 10, adicionando à frase "idehó ibŷ", que significa "com os pés dele(a)", o plural aqui sendo implícito, assim 10 dedos das mãos + 10 dedos dos pés = 20.
A função deste texto foi providenciar a visão que os Kariri tinham quando desenvolveram seu sistema numeral, que muito provavelmente era complexo, levando em consideração a existência dos kiekotto dos Dzubukuá, e poderia ter chegado a números muito maiores dependendo da etnia, clã, aldeia e etc. Creio que agora que temos a visão, seja necessário um discussão para desenvolver um sistema numeral que seja mais conveniente para a era moderna.
Autor da matéria: Suã Ari Llusan
Nenhum comentário:
Postar um comentário