quinta-feira, 28 de março de 2024

HIPÓTESE SOBRE TÇETÀ 'MIOLOS' DO KIPEÁ


 Encontrei a palavra *kajwañ 'miolos' no Proto-Cerratense reconstruído de Andrey Nikulin de 2020, suspeito que tenha  relação direta com o TÇETÀ 'miolos' do Kipeá, argumento isso pois vejo que a evolução de *ky ou *c > t parece ser um tema recorrente entre as línguas Kariri, veja por exemplo o número dois do Dzubukuá wi-TA-ne em comparação ao Kipeá wa-CHA-ni e o Kamurú lia-wi-thi-KA-ni


 Digo *ky pois suspeito que, antes de se tornar TÇETÀ, a palavra teria surgido em alguma língua Terejê como *ka-kya, o processo de evolução até chegar no Kariri parece ter sido assim:


1) A palavra surge da forma como reconstruo antes de ser importada para o léxico Kariri


*ka-kya


2) A palavra começa a passar por mudanças em cadeia, sugiro que primeiro tenha evoluido o encontro consonantal *ky para *c:


*ka-kya > *ka-ca


3) Depois, compensando a falta do grupo *ky de sílabas, *k foi palatalizado para *ky


*ka-kya > *ka-ca > *kya-ca


4) A mudança sonora que resultou em diferenças como TIDZÌ 'mulher' no Kipeá vs KÜTZIH 'mulher' no Sapuyá ocorreu, sendo a evolução de *c > t em certos ambientes.


*ka-kya > *ka-ca > *kya-ca > *kya-ta


5) Logo após, a palatalização de **k para *ky foi mais adiante e tornou a consoante em uma africada alveolar surda /ts/:


*ka-kya > *ka-ca > *kya-ca > *kya-ta > *tsa-ta


6) A sílaba tônica na última sílaba faz com que a vogal da primeira sílaba se reduza e se torne um schwa /ə/:


*ka-kya > *ka-ca > *kya-ca > *kya-ta > *tsa-ta > *tsə-tá


Assim resultando no TÇETÀ do Kipeá. Eu não tenho certeza se todos os processos ditos aqui seriam nativos do Terejê, eles claramente acontecem em algumas línguas (Dzubukuá e Kipeá com *c > t), outras não (Sapuyá com *c > k) e em outras ocorre algo diferente (Kamurú com *c > ts, cf.: tzützüh 'mulher' em comparação ao Sapuyá kützih), incluindo isso, o léxico restante do Terejê não é suficiente para confirmar essa transformação, no entanto posso confirmar que kya da parte final de ka-kya teria existido, isso é confirmado pela palavra menzikiô 'homem' e a palavra waskiô 'comigo, conosco', que utilizam do sufixo agentivo -kiô/-kêô, descendente do sufixo agentivo do Proto-Cerratense *jwañ, cujo surge no Proto-Akuwẽ como *-kwa, a partir daí podemos ver que o Terejê e o Akuwẽ compartilham da evolução de *j para *k nesse ambiente, mas ambos divergem na evolução vocálica, com o Terejê tendo -iô ou -êô, enquanto o Akuwẽ possui -wa, mas é possível ver como a palavra evoluiu


*jwañ > *-kjwa(ñ) > *-kjwa > *-kjô > *-kjô ou *-kêô


 A partir daí, podemos inferir que *ka-kya realmente teria sido a forma em que o Terejê teria "congelado", enquanto o Kariri passava por suas mudanças fonéticas específicas, com isso, e com o fato de -kîô surge intacto duas vezes, tanto no Xocó quanto no Wakonã, eu creio que seria mais adequado reconstruir essa palavra nesse estágio anterior a evolução que o Kariri passou:


Terejê *ka-kia 'miolos'


Xocó: kakêô

Natú: kakîô, sakîô

Wakonã: kekíô, tcekíô




Autor da matéria: Suã Ari Llusan 



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