Ô… essa história… essa eu guardo no coração…
Porque eu mesmo… eu, Nhenety Kariri-Xocó… vivi tudinho… com meus olhos… com meus pés pisando na poeira da Rua Santa Cruz…
Olha… foi assim…
Na nossa aldeia… na Rua dos Índios… ali… na beirada da cidade de Porto Real do Colégio, Alagoas… nós, os Kariri-Xocó… sempre vivemos do nosso jeito…
Tranquilo… ouvindo o rio… pescando… plantando… celebrando nossas tradições…
Só que… o mundo de fora… foi chegando…
Primeiro… vieram os navios… depois… as lanchas cortando o São Francisco…
Depois… as comidas enlatadas… as roupas diferentes… as ferramentas… o cinema… o rádio…
Cada coisa dessas… a gente olhava… se admirava… perguntava…
Mas, veja…
Nos anos de 1970… chegou… uma coisa… que ninguém… mas ninguém mesmo… podia imaginar…
A televisão!
Lembro direitinho…
Eu e meu primo… o Dzapá… saímos caminhando… lá pro centro da cidade… pela Rua Santa Cruz…
E de repente… vimos… uma aglomeração danada… na casa do seu Américo…
Um povo todo… amontoado… olhando pra dentro da casa…
Eu perguntei:
— Dzapá… o que será que tá acontecendo ali?
Ele:
— Bora ver, Nhenety!
Chegamos… e eu… curioso que só… perguntei pros brancos:
— Ei… o que é isso aí?
Eles… sorrindo… disseram:
— É a televisão! Tá passando o jogo da Copa de 70!
Eu e Dzapá… nos entreolhamos…
Tele o quê?
Quando a gente olhou… tava lá… uma caixa… com uma tela…
E de dentro… saía imagem…
Mas a imagem… parecia um espelho…
Só que… falava!
Um espelho… que falava…
Eu, besta de admiração, falei pro Dzapá:
— Primo… parece um espelho… que fala!
Ele ficou… de boca aberta… só olhando…
Não deu outra…
Corremos pra nossa aldeia…
Chegamos ofegantes… na casa do velho Iraminõ… avô do Dzapá…
Ele tava lá… sentado… fumando seu cachimbo… com aquele olhar sereno…
Eu falei:
— Seu Iraminõ… seu Iraminõ… lá na cidade… tem uma coisa nova…
Ele, calmo, perguntou:
— Que foi, menino?
Eu:
— É um espelho… mas… que fala!
Ele ficou… em silêncio… pensou… olhou pra gente… e falou… com aquela voz cheia de sabedoria:
— Warudókli…
Eu e Dzapá:
— Waru… quê?
Ele:
— Warudókli… na nossa língua… quer dizer: “O espelho que fala”…
Ô… que beleza…
Eu fiquei repetindo:
— Warudókli… Warudókli…
E assim… ficou batizado!
A televisão… virou Warudókli…
Mas não acabou aí, não…
Em 1972… o parente Tononé… comprou… a primeira televisão… da nossa aldeia…
Aí… foi festa!
Todo mundo… vinha pra casa dele…
De manhã… de tarde… de noite…
O povo se sentava… nas esteiras… nas redes… nos tamboretes…
E a gente… ali… tudo… de olhos arregalados… olhando pro Warudókli…
E o mundo… passando… diante da gente…
Filmes… novelas… notícias…
Tudo… tudo…
Mas… o mais bonito… foi que ficou… a palavra…
A nossa palavra…
Warudókli…
Até hoje… quando vejo uma televisão… lembro…
Lembro do dia… que eu, Nhenety… e meu primo Dzapá… vimos… pela primeira vez…
O espelho… que fala…
E essa história… tá aqui…
Na minha boca…
No meu peito…
Na memória… viva… do meu povo Kariri-Xocó…
E agora… na sua também…
Pra seguir…
De geração… em geração…
Assim… como tô contando… agora… pra você…
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
🎭 PEÇA TEATRAL: "WARUDÓKLI – O Espelho Que Fala"
Personagens:
Nhenety — criança curiosa, narrador e protagonista
Dzapá — primo e companheiro de aventuras
Velho Iraminõ — sábio ancião Kariri-Xocó
Tononé — indígena que compra a primeira TV
Seu Américo — morador da cidade
Povo da Aldeia — grupo que canta, dança, participa
Brancos da cidade — figurantes
Ato I – A descoberta
(Palco dividido: de um lado, a Rua dos Índios; do outro, a cidade.)
(Cantos e sons de rio, passarinhos e risadas de crianças.)
Nhenety (entra correndo com Dzapá):
— Bora, Dzapá! Bora pra cidade! Quero ver as novidades!
Dzapá:
— Será que tem coisa nova?
(Saem correndo, atravessam o palco.)
(Som de burburinho, vozes animadas.)
Nhenety:
— Ôxe… olha quanta gente na casa do seu Américo!
Dzapá:
— Vamo ver o que é!
(Aproximam-se, olham por cima das cabeças.)
Nhenety (admirado):
— O que é isso?
Branco 1:
— É a televisão! Tá passando o jogo da Copa!
(Som de futebol, torcida.)
Dzapá:
— Te-le-o-quê?
Nhenety:
— Olha, Dzapá… parece… parece um espelho…
Dzapá:
— …que fala!
(Silêncio admirado.)
Nhenety:
— Vamos contar pro vovô Iraminõ!
(Correm de volta.)
Ato II – A sabedoria do velho Iraminõ
(Palco: casa simples, rede, velho Iraminõ fumando cachimbo.)
Nhenety e Dzapá (chegam ofegantes):
— Vovô! Vovô Iraminõ!
Iraminõ (calmo):
— Que foi, meninos?
Nhenety:
— Lá na cidade… tem uma coisa nova…
Dzapá:
— É um espelho…
Nhenety:
— …mas que fala!
(Iraminõ fecha os olhos, reflete.)
Iraminõ (solene):
— Warudókli…
Nhenety e Dzapá (juntos):
— Warudókli?
Iraminõ:
— Sim… na nossa língua… quer dizer: "O espelho que fala".
(Música suave, ancestral, ao fundo.)
Nhenety (olhando pra plateia):
— E assim… ficou batizado!
(Todos juntos, como um refrão alegre, olhando pro público):
— WARUDÓKLI!
Ato III – A festa na aldeia
(Palco: casa de Tononé, esteiras no chão, povo reunido.)
Narrador (Nhenety, adulto):
— Em 1972… Tononé comprou… a primeira televisão da nossa aldeia…
(Tononé entra carregando uma caixa imaginária, coloca no centro.)
Tononé (orgulhoso):
— Pronto, povo! Tá aqui… o Warudókli!
(Todos se aproximam, olham, se ajeitam.)
Pessoa 1:
— Liga aí, Tononé!
Pessoa 2:
— Quero ver o mundo dentro desse espelho!
(Barulho da TV ligando: chiados, depois música ou voz.)
(Todos: "ÔÔÔÔÔ!!!")
(Música de festa, dança circular típica Kariri-Xocó.)
Nhenety (para a plateia, sorrindo):
— E assim… o mundo começou a chegar… ali… na nossa aldeia…
(Pausa, voz emocionada.)
Nhenety:
— Mas nunca esquecemos quem somos…
— Somos Kariri-Xocó…
— E até hoje… quando alguém liga uma televisão… a gente lembra…
(Todos juntos, andando em roda, repetem alegremente):
— Warudókli… o espelho que fala!
(Luzes diminuem, música ancestral.)
Nhenety (voz final):
— Essa é a nossa história…
— A história que eu vivi…
— A história que seguimos contando…
— De geração… em geração…
(Todos se curvam. Fim.)
🎭 Recursos cênicos sugeridos:
Música e dança tradicional Kariri-Xocó entre cenas, marcando passagens.
Uso de objetos simbólicos: cachimbo, esteiras, tamboretes.
Som ambiente: rio, vozes, torcida de futebol, estática de televisão.
Participação da plateia: repetir "Warudókli!" nos momentos-chave.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
Consultado por meio da ferramenta ChatGPT (OpenAI), inteligência artificial como apoio para elaboração do trabalho da capa no dia 30 de maio de 2025.
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