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domingo, 29 de junho de 2025

IPUPIARA, O Ser Que Surge das Águas Profundas






Nas noites enluaradas, quando o silêncio repousa sobre as margens do Opará, o rio sagrado dos antigos, há uma calma que parece esconder segredos. As águas dormem serenas, como se embalassem os sonhos dos peixes em suas tocas de pedra. Mas nem tudo dorme. Nem tudo repousa.


Lá, nas profundezas escuras, algo permanece desperto.


Os mais velhos da aldeia falam com reverência de um ser que habita esse mundo aquático. Chamam-no de Ipupiara, o Ser Que Surge das Águas Profundas. Para alguns, é o Negro D’Água. Para outros, apenas o Homem da Água. Mas todos o temem — e o respeitam.


Dizem que o Ipupiara aparece quando menos se espera, com a metade do corpo à tona, seus olhos penetrantes vigiando as margens, como um guardião silencioso. Seu corpo é semelhante ao de um indígena moreno, moldado pelas águas e pelo tempo, envolto numa energia que mistura mistério e poder.


Aqueles que se banham nas águas com humildade, que colhem o que precisam e partem em silêncio, não têm o que temer. O Ipupiara os observa, mas não os toca. Porém, os pescadores ambiciosos, que lançam suas redes à noite, que perturbam o descanso dos peixes e o equilíbrio sagrado do rio, estão sujeitos a um destino sombrio. Há relatos de pescadores puxados pelas pernas, afogados nas águas profundas — levados sem aviso.


— O Ipupiara levou mais um — murmuram os anciãos, quando um corpo não retorna da pescaria noturna.


Nas noites em que a lua cheia toca o rio com seus dedos prateados, há quem veja o Ipupiara emergir. Um instante apenas. Um olhar. Depois, um mergulho profundo, e o silêncio volta a reinar.


Com o tempo, no entanto, as aparições se tornaram raras. O rio foi represado. As margens ganharam luzes artificiais. Os motores das máquinas ecoam onde antes se ouvia o canto dos pássaros e o murmúrio dos ancestrais. As águas sagradas estão sendo esquecidas... desconectadas dos humanos.


— Os Ipupiaras e as Yaras não querem mais voltar — dizem os velhos. — O mundo ficou barulhento demais para o sagrado.


Mas mesmo agora, em meio às transformações, permanece um fio de esperança. Uma memória viva. Pois sempre que pronunciamos seu nome — Ipupiara — algo se agita nas profundezas. Um eco espiritual nos alcança. Ele nos ouve. Ele está lá. Os seres do rio não morrem — vivem onde são lembrados.


E enquanto houver quem conte essas histórias, os guardiões das águas continuarão vivos, nadando nos corações de quem escuta.





Autor: Nhenety Kariri-Xocó 







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