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sábado, 28 de junho de 2025

O CORAÇÃO DA TERRA, O Pajé Júlio Suíra e o Cacique Cícero Ireçê






Sob o céu sagrado do São Francisco, onde o vento leva os cânticos antigos e as águas sussurram os segredos dos ancestrais, nasceu uma história de coragem e esperança.


Francisco Suíra era mais que um pajé. Era guardião da sabedoria, mestre dos cantos sagrados e defensor da vida. Seu espírito conversava com as folhas e com os rios, e sua voz, firme e serena, guiava os passos da comunidade Kariri-Xocó. Ao lado dele, o cacique Cícero Ireçê, homem de fala reta e coração forte, lutava pelo futuro do povo, empunhando não armas, mas a palavra justa.


Quando os ventos da história sopraram a oportunidade de reconquistar a Fazenda Modelo, os dois líderes ergueram seus bastões de comando com dignidade. Foi uma longa jornada. Reuniões, viagens e esperas. Anos se passaram, e com a idade avançando, o velho pajé Francisco Suíra sentiu que era hora de passar o bastão. Chamou então seu filho: Júlio Suíra.


Júlio não herdou apenas o nome, mas o dom e o compromisso com a terra e com os espíritos. Assumiu o papel com humildade e coragem. Ao lado do cacique Cícero Ireçê, que permanecia firme como tronco de angico, seguiram juntos numa nova caminhada. As estradas até Brasília pareciam infinitas, mas cada passo era guiado por um propósito: fazer florescer o futuro dos filhos da terra.


Ali, diante dos muros frios do poder, os dois guerreiros de palavra contaram a história do povo Kariri-Xocó, exigiram respeito e pediram reestudo das terras. Com sabedoria, não cederam ao cansaço. A demarcação, sonhada por gerações, começou a tomar forma. Da antiga área de 699,9 hectares, surgiu uma nova proposta: 4411 hectares. Um salto, uma vitória plantada com fé e colhida com coragem.


O presidente Lula homologou a terra, mas ainda faltava o último passo: a saída dos posseiros. A terra estava prometida, mas não totalmente devolvida. Mesmo assim, a esperança renascia.


Na aldeia, os mais velhos contavam para os mais novos:

— Cada geração faz sua história. A nossa tem nomes gravados na memória da terra: Pajé Júlio Suíra e Cacique Cícero Ireçê.


Seus feitos não estão apenas nos documentos oficiais, mas nos tambores do toré, nos cantos do entardecer, nos olhos das crianças que crescem sabendo que o chão onde pisam foi conquistado com dignidade.


O legado desses homens é motivo de orgulho. Eles não apenas lutaram por terras — lutaram por identidade, memória e vida.


E enquanto o vento ainda sopra sobre as folhas do jenipapeiro, pode-se ouvir, com o coração atento, o canto ancestral:

— A terra vive, e nós vivemos com ela.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



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