Páginas

sábado, 28 de junho de 2025

O PEIXE SAGRADO DO OPARÁ






No ano de 1950, quando o sol ainda nascia preguiçoso sobre as palhas de coqueiro e as águas do Rio Opará (São Francisco) corriam serenas, a vida na Rua dos Índios era dura como pedra de pilão. Os caboclos, filhos da terra, descendentes dos primeiros habitantes de Porto Real do Colégio, eram obrigados a trabalhar para os fazendeiros. De sol a sol, suas mãos calejadas cavavam a terra alheia em troca de migalhas. Era assim que viviam, era assim que resistiam.


Mas naquele ano, um homem resolveu mudar o curso da própria história. Seu nome era Alírio — indígena, agricultor, sonhador. Num certo dia, enquanto o suor ainda escorria da testa, ele cravou a enxada no chão quente, olhou para o céu e disse alto, como quem conversa com o próprio Criador:


— De hoje em diante, não trabalho mais para fazendeiro nenhum. Vou criar minha família com o saber que Deus me deu!


Voltou pra casa com o coração cheio de coragem. Sua esposa, Maria de Lurdes, conhecida em toda a aldeia como Indaiá, havia acabado de chegar da pescaria com o caniço. Nos braços, trazia um peixe imenso — um bagre de onze quilos, brilhando como prata viva.


Alírio olhou para o peixe e viu mais do que alimento. Viu um sinal. Pegou o bagre com firmeza e caminhou até o Grande Hotel da Rede Ferroviária Federal, na cidade. Vendeu o peixe. Com o dinheiro em mãos, foi direto à beira do Rio Opará e encontrou o velho pescador Zé Sertão, figura sábia das águas.


— Quero comprar a tua canoa cheia de peixe — disse Alírio.


Zé Sertão olhou nos olhos do indígena e sorriu como quem reconhece um novo tempo chegando.


A partir dali, a vida mudou. Alírio e Indaiá passaram a vender peixes no povoado e depois na cidade. Reconstruíram a casa de taipa, compraram móveis, rádio de mesa — novidade na região — e aos poucos o nome de Alírio se espalhou como vento bom em dia de seca. Seu peixe era caro, diziam os fregueses. Mas não era por ganância — era respeito. O peixe de Alírio tinha valor, pois era fruto sagrado do Opará, presente de Deus à sua gente.


O povo passou a chamá-lo de Peixe Caro. E ele aceitava o nome com orgulho, pois não era só comerciante — era defensor da cultura, do alimento que vem das águas, do saber dos ancestrais.


Muitos anos se passaram, mas a memória de Alírio permaneceu viva. Em homenagem à sua coragem e à sua fé, o Mercado do Peixe da cidade de Porto Real do Colégio recebeu seu nome completo: Alírio Nunes de Oliveira, pai de Nhenety, filho da nação Kariri-Xocó.


E assim, nas margens sagradas do Opará, vive até hoje a lenda de um homem que ousou trocar a enxada pela canoa e a servidão pela dignidade, navegando com o coração firme na correnteza da ancestralidade.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





Nenhum comentário:

Postar um comentário