terça-feira, 2 de setembro de 2025

COSMOGONIA TUPI, TUPI-GUARANI E GUARANI: Constelações, Espiritualidade e Calendário Lunar






Introdução


A cosmogonia dos povos Tupi, Tupi-Guarani e Guarani apresenta-se como uma construção simbólica que conecta céu, terra e sociedade. As constelações, vistas como representações de animais, plantas e forças espirituais, orientavam a vida agrícola, ritual e social. O calendário lunar, estruturado em doze luas, dava ritmo ao ano, integrando espiritualidade, subsistência e memória ancestral.


As 12 Constelações Principais


Entre os Tupi-Guarani, o céu era percebido como um grande mapa espiritual. A seguir, apresentamos 12 constelações identificadas e suas correspondências aproximadas:


Nhandu (Ema) – Correspondente ao Escorpião. Símbolo da fertilidade, guiava rituais de plantio e colheita.


Tapir (Anta) – Associada à constelação de Órion. Indicava o tempo de caçadas e rituais de abundância.


Pirá (Peixe) – Representação da Via Láctea. Um rio celeste ligado à fartura da pesca.


Jaguareté (Onça) – Localizada próxima a Sagitário. Símbolo da força guerreira e da proteção espiritual.


Tatu (Tatu-canastra) – Cruzeiro do Sul. Utilizado para orientação espacial e rituais noturnos.


Yvyrá (Árvore cósmica) – Região do céu próxima ao eixo da Via Láctea. Relacionada ao mito da Árvore da Vida e ao contato com o mundo dos deuses.


Yvytú (Vento ou Sopros) – Conjunto de estrelas em torno de Aquário. Ligado aos rituais de mudança de estação e às viagens espirituais.


Guará (Lobo-guará ou raposa) – Representado nas Plêiades. Associado à astúcia, à orientação agrícola e ao calendário das chuvas.


Araruna (Arara azul) – Correspondente à constelação de Cisne. Simbolizava o canto e a comunicação espiritual.


Mbopi (Morcego) – Relacionado a estrelas em torno de Corvus. Marcava os tempos de escuridão e recolhimento.


Anhangá (Espírito protetor das caças) – Região próxima a Centauro. Invocado em rituais de caça e proteção.


Kuruxu (Cruz) – Correspondente ao Cruzeiro do Sul em outra interpretação. Era sinal de orientação e guia espiritual, relacionado ao caminho dos ancestrais.


Assim, o ciclo celeste era completo: cada constelação não apenas media o tempo, mas simbolizava dimensões espirituais, animais totêmicos e elementos da vida cotidiana.






As 12 Luas do Ano


O calendário indígena era regido pelas fases da Lua, cada uma com significado próprio. Os Guarani chamavam Lua de Jasy, enquanto no Tupi Antigo utilizava-se o termo Jacy. A seguir, apresento as doze luas de forma descritiva, com seus nomes, significados e correspondências aproximadas no calendário ocidental:


Jasy Rendy (Lua Brilhante) – Janeiro. Lua do Plantio, associada à fertilidade da terra. É o tempo de preparar o solo e semear milho e mandioca.


Jasy Ñemongarai (Lua da Bênção) – Fevereiro. Lua da Germinação. Celebram-se rituais de proteção das primeiras brotações.


Jasy Ka’aguy (Lua da Floresta) – Março. Lua da Caça. Marca o período em que os animais da floresta estão mais ativos, com rituais de fartura e caça.


Jasy Avaxi (Lua do Milho) – Abril. Lua da Colheita inicial. O milho é colhido e oferecido em festas comunitárias.


Jasy Y (Lua das Águas) – Maio. É o período das chuvas, a Lua das Águas, que traz fartura aos rios e fortalece a pesca.


Jasy Pirá (Lua do Peixe) – Junho. Lua da Pesca. Tempo de abundância nos rios, com rituais de agradecimento pelo alimento aquático.


Jasy Jaguareté (Lua da Onça) – Julho. Lua Guerreira. Associada à força da onça e aos rituais de proteção da aldeia.


Jasy Karai (Lua da Fartura) – Agosto. Lua da Abundância. Momento de compartilhar alimentos e realizar celebrações coletivas.


Jasy Tujá (Lua Ancestral) – Setembro. Lua dos Ancestrais. Tempo de lembrar os mortos, realizar cantos e invocações espirituais.


Jasy Pyahu (Lua Nova ou da Renovação) – Outubro. Lua da Renovação. Marca a preparação do novo ciclo agrícola e espiritual.


Jasy Porã (Lua Bela) – Novembro. Lua da Beleza e da Juventude. Tempo de iniciações e celebrações ligadas à vida social.


Jasy Guasu (Lua Grande) – Dezembro. Lua Maior. Representa o fechamento do ciclo, quando se renovam as forças para o ano seguinte.


No Tupi Antigo, esses nomes variavam, mas seguiam a mesma lógica: Jacy Açu (Lua Grande), Jacy Mirim (Lua Pequena), Jacy Rereté (Lua Brilhante), entre outros.


Conclusão


A cosmogonia Tupi, Tupi-Guarani e Guarani revela uma visão do mundo em que céu e terra formam uma unidade cósmica. As 12 constelações e as 12 luas estruturavam o tempo, integrando subsistência, espiritualidade e vida social. Essa organização reforça a concepção indígena de tempo cíclico, diferente da linearidade ocidental, em que cada fase lunar e cada constelação marca não apenas uma atividade prática, mas também um vínculo espiritual com os ancestrais e o cosmos.


Referências


AZEVEDO, Marta. O calendário agrícola e ritual Guarani. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 44, n. 1, p. 35-67, 2001.


CLASTRES, Hélène. A Terra sem Mal: o profetismo tupi-guarani. São Paulo: Brasiliense, 1978.


MELIÀ, Bartomeu. O Guarani: uma cosmovisão. São Paulo: Loyola, 1989.


MONTOYA, Antonio Ruiz de. Tesoro de la lengua guaraní. Madrid: Ediciones Cultura Hispánica, 1639 [reimpressão].


VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac Naify, 2002.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





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