Introdução
A série de quadrinhos Tex, criada por Gian Luigi Bonelli e ilustrada por Aurelio Galleppini em 1948, é uma das mais duradouras narrativas gráficas italianas e um fenômeno cultural mundial. Seu protagonista, Tex Willer, é um ranger texano que percorre o Oeste americano, especialmente o Arizona e o Texas, defendendo os povos nativos e cidadãos honestos contra a exploração de políticos corruptos, empresários inescrupulosos e bandoleiros. A ambientação não se limita a um espaço geográfico definido, mas representa simbolicamente a fronteira em expansão após a Guerra de Secessão (1861-1865). O cenário se estrutura em torno de disputas pela terra, conflitos culturais e tensões sociais que marcam o processo de modernização dos Estados Unidos no século XIX.
Desenvolvimento
O mundo de Tex Willer
O Oeste americano em Tex Willer é construído como um espaço simbólico de disputa entre a "civilização" em avanço e os povos originários que resistem à perda de seus territórios. Nesse ambiente, a terra não é apenas pano de fundo, mas um elemento narrativo central: é a promessa do sonho americano para uns e, para outros, o território sagrado ameaçado pela violência e pela ganância.
As forças oficiais – Exército, xerifes e o Departamento de Assuntos Indígenas – desempenham papéis ambíguos, oscilando entre a proteção da lei e a manutenção de interesses corruptos. Esse cenário cria espaço para a figura do herói solitário, Tex Willer, que surge como defensor da justiça em uma região marcada pela violência.
Origem e trajetória de Tex Willer
Tex Willer é apresentado inicialmente como um jovem justiceiro que se torna ranger no Texas. Sua trajetória ganha um aspecto singular quando ele se casa com Lilyth, filha de Flecha Vermelha, chefe dos navajos. A partir desse vínculo, Tex passa a ser reconhecido como chefe branco dos navajos, assumindo a defesa de seu povo contra abusos governamentais e ataques de colonos e bandidos.
Ao longo das décadas de publicação, Tex percorre diferentes territórios do Oeste, lidando com temas como:
Conflitos entre nativos e colonizadores;
Corrupção política e empresarial;
Disputas por minas de ouro e territórios;
O papel do Exército e de aventureiros na expansão territorial;
A formação de alianças improváveis em prol da justiça.
Seu círculo de personagens principais inclui:
Kit Carson – veterano ranger, parceiro leal e contraponto humorístico;
Kit Willer – filho de Tex e Lilyth, que segue os passos do pai;
Jack Tigre – guerreiro indígena, amigo inseparável e símbolo da ponte entre culturas.
Assim, Tex se torna uma síntese do mito do herói ocidental, que, embora fictício, reflete questões sociais e históricas do período.
Contexto histórico
O período de expansão do Oeste, após a Guerra de Secessão, foi marcado por intensas transformações sociais, econômicas e políticas nos Estados Unidos. A construção das ferrovias, a corrida do ouro e a política de remoção dos povos indígenas (como a Indian Removal Act de 1830 e, posteriormente, as reservas indígenas) resultaram em profundas mudanças culturais.
Na ficção de Tex, esses processos aparecem dramatizados, mas em sintonia com a realidade histórica: a violência contra os povos indígenas, a corrupção nos órgãos oficiais e a luta pela posse da terra são elementos que dialogam diretamente com documentos e relatos históricos do período.
Povos indígenas na atualidade
Atualmente, os povos indígenas do Oeste americano ainda resistem, apesar dos séculos de perseguição, extermínio e confinamento em reservas. Estima-se que haja cerca de 6,8 milhões de nativos americanos nos Estados Unidos (Census Bureau, 2020), distribuídos em 574 tribos reconhecidas federalmente.
Na região do Arizona, Novo México, Utah e Colorado, a Navajo Nation é um dos maiores territórios indígenas, com autonomia política parcial e esforços de preservação cultural e linguística. Apesar disso, enfrentam desafios como pobreza, desemprego, limitações em saúde e educação, além da pressão de empresas mineradoras e disputas ambientais.
Assim, enquanto Tex Willer representa um ideal heroico de defesa dos povos indígenas, na realidade atual esses povos lutam por direitos, dignidade e reconhecimento dentro do país mais desenvolvido do mundo.
Conclusão
A região fictícia de Tex Willer é, em essência, um reflexo narrativo do Oeste americano do século XIX, marcado pela tensão entre modernização e tradição, ganância e justiça, extermínio e resistência cultural. A obra de Bonelli e Galleppini, ao mesmo tempo em que cria um herói idealizado, oferece uma releitura crítica do processo histórico da expansão americana, expondo as contradições entre o discurso civilizatório e a violência contra os povos originários.
Os personagens principais – Tex, Carson, Kit e Tigre – formam um núcleo simbólico que representa justiça, lealdade e resistência. Embora fictícia, essa narrativa se entrelaça com o passado histórico dos EUA e dialoga com a realidade contemporânea, onde os povos indígenas continuam presentes, reafirmando sua identidade e reivindicando espaço em uma sociedade que ainda carrega as marcas da colonização.
Referências
BONELLI, Gian Luigi; GALLEPPINI, Aurelio. Tex Willer. Milão: Sergio Bonelli Editore, 1948-.
DEBLASIO, Anthony. Native Americans in the United States: A Historical Overview. New York: Routledge, 2017.
HURTADO, Albert L. Indian Survival on the California Frontier. New Haven: Yale University Press, 1988.
CENSUS BUREAU. American Indian and Alaska Native Heritage Month: November 2020. Washington, D.C.: U.S. Census Bureau, 2020.
PRATT, Mary Louise. Imperial Eyes: Travel Writing and Transculturation. London: Routledge, 1992.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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