E a regra dos verbos passivos
Esta palavra traz alguns fatos interessantes sobre como a língua Kipeá, e por extensão, a família Kariri funcionava na época que foi registrada, vemos primeiro de tudo que ela é um empréstimo do Tupi *mboé* 'ensinar, reger (música, dança)', notamos logo em seguida que o significado mudou de ativo para passivo, o que demonstra para nós que o Kariri ativamente mudava a voz gramatical de seus verbos, até mesmo os empréstimos recentemente adquiridos.
Vemos isso com a palavra PA 'ser morto', cujo é cognato do Proto-Jê-Setentrional *pa 'matar', essa palavra em algum momento significava 'matar' no Kariri, mas quando o sistema de ergatividade exigiu a passividade do verbo para manter a coerência da frase, ele mudou sua voz, essa regra foi bem descrita por Mamiani na página 67 de sua gramática (Dos Verbos Passivos, & Neutros, Simplices, & Compostos), verbos que mantiveram sua voz ativa poderiam se tornar passivos com a utilização da partícula ergativa No (Nae na ortografia e reinterpretação moderna), o que nos dá uma pista sobre como esses verbos funcionam.
A estrutura da frase no Pré-Proto-Kariri para dizer algo como 'eu matei a anta' provavelmente seria algo como:
*wi-pʰa k(r/l)i krajo 'eu-matar já anta'
Em algum momento da história da língua comum dos Kariri, a estrutura ergativa começou a tomar forma e substituiu a forma anterior de se formular frases:
pʰa k(r/l)i krajo wi-nə (matar já anta eu-ERG)
Essa estrutura, por consequência, alterou o verbo para passivo para indicar que ação tinha sido causado sobre X por causa de Y:
pʰa k(r/l)i krajo wi-nə (ser morto já anta eu-ERG)
Outro fato interessante sobre a estrutura da palavra BOHÉ é como ela foi refeita na língua Kipeá, seguindo o padrão CV (Consoante-Vogal) ao invés de permitir o encontro entre as duas vogais, é difícil dizer qual fonema os Kipeá utilizaram como epêntese (isto é o som que surge para barrar o encontro entre as duas vogais e respeitar a estrutura CV), mas é possível que fosse uma fricativa velar sonora /ɣ/, se seguirmos a hipótese de Ribeiro de que a palavra Mýgý do Kipeá e Muihi do Dzubukuá derivam do Tupi mboyr 'miçanga'.
Autor da matéria: Ari Loussant
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