domingo, 11 de fevereiro de 2024

A DESCOBERTA FINAL DOS PREFIXOS GENÉRICOS DE HUMANOS E OUTROS SERES


 Muitas línguas do Brasil fazem uma distinção de seus substantivos a partir de uma marcação que divide aquilo que é humano e aquilo que não é humano, isso se chama animacidade, cujo funciona como um espectro, onde a determinação e classificação dos objetos de uma língua são determinados pela percepção cultural de um povo em relação ao mundo.


 Hoje, por exemplo, vemos plantas e fungos como seres vivos, mas talvez algum povo do passado ou até mesmo algum povo em algum lugar do mundo não veja dessa forma, em contrapartida, tal povo pode ver o vento como um ser vivo, o trovão, a chuva etc... Tudo depende novamente de como um povo passa a perceber e expressar tal visão do mundo para futuras gerações.


 Venho estudando nos últimos dias uma língua do grupo Akuwẽ pouco estudada, ela se chama Akroá-Mirim e teve um curto vocabulário publicado no glossário de Martius em 1867, este povo vivia entre os rios Parnaíba no Maranhão e o Paranaíba de Minas Gerais, Andrey Nikulin também os põe no centro do Brasil na margem anterior ao Rio São Francisco (Opará), indicando que o território onde eles viviam costumava ser imenso. O que vem me intrigando sobre a língua deste povo é que diferente de seus parentes mais próximos, os outros povos Akuwẽ como Xavantes, Xerentes e Xakriabás, eles tem uma marcação genérica de humanos que não é idêntica ao que se vê normalmente nesse ramo, o prefixo é ai-/as-/assi-, e até mesmo Ehrenreich que estudou a língua Xavante de Salinas notou isso:


1) CABEÇA


Xavante: da-'rã

Xerente: da-krã

Xakriabá: da-cran, da-grang

Akroá: ai-crán


2) MÃO


Xavante: da-nhib'rada

Xerente: da-nĩpkra

Xakriabá: da-jipcra, d’a-schipigra

Akroá: a-ssubckrá


3) PESCOÇO


Xavante: da-budu

Xerente: da-bdu

Xakriabá: d'a-putú

Akroá: aim-buttúde


 Essa marcação divergente do padrão Akuwẽ em DA- se assemelha fortemente ao que é visto no Terejê


Xocó: as-pi-kiá 'mulher, humana que zela'

Xocó: a-tsá 'fogo'

Xocó: a-ti'á 'incêndio, queimada'

Xocó: a-kómá 'grande'

Xocó: a-ti-sêrê 'terra'

Wakonã: a-naá 'pessoa sem importância' < (esse sendo o argumento mais forte, já que Antunes especifica 'pessoa')


 Conclui-se que este é o prefixo nativo do Terejê para indicar a classe humana, equivalente ao Tupi poro-/moro- e ao Xavante, Xerente e Xakriabá da-, a proximidade entre o Terejê e o Xakriabá é um tópico a ser discutido. Visto que ambos os povos viviam nas proximidades do Rio São Francisco, existe a possibilidade de terem interagido entre si ou até mesmo derivado de um mesmo subagrupamento do ramo Central.



 Noto também duas coisas, na publicação SUBSTANTIVOS VERBAIS OU SUBSTANTIVOS IRO, notei que todos os substantivos  ou se referem a objetos que não são humanos ou são neutros (podem pertencer tanto a humanos quanto a seres não-humanos), o Xavante também faz uma distinção entre o prefixo da- com o prefixo i-, sendo da- para humanos e i- para não humanos, sugiro aqui que o prefixo i- da terceira pessoa, usada nos substantivos iro marque a terceira pessoa genérica não-humana.


 A segunda coisa que noto é que o Xavante e o Xerente também possuem o prefixo a-, e podem usá-lo como substituto do prefixo da-, como no Xavante adu 'barriga (de gente)', sinônimo de dadu 'barriga (de gente)', isso indica que as ramificações do Akroá-mirim e o Terejê compartilham de um desenvolvimento onde o prefixo a- ganhou preferência e se tornou o mais prevalente, tomando o espaço de da-, enquanto as ramificações do Xavante e Xerente deram preferência para da-, mas mantiveram o prefixo a- como seu sinônimo.


 Com isso, sugiro que as línguas Terejê sigam o seguinte modelo:


Terejê *a-(si-) 'prefixo genérico de humanos, prefixo de classe humana'


Xocó: a-, ai-, asi-, as-

Natú: a-, ai-, asi-, as-

Wakonã: a-, ai-, asi-, as-



Exemplos de distinção:


1) wê 'dizer, falar, mostrar'


a-wê 'língua, idioma'

i-wê 'papagaio'



2) mu 'unir, juntar'


a-mu 'esposo, esposa'

i-mu 'união, junção, fusão'



3) ña 'mãe'


a-ña 'mãe (de gente)'

i-ña 'mãe de animal, fonte, origem'



FONTES


Romnhitsi'ubumro a'uwẽ mreme - waradzu mreme, Georg Lachnitt, 1987

http://www.etnolinguistica.org/biblio:lachnitt-1987-dicionario


Dicionário Escolar Xerente / Português e Português / Xerente, Wanda Krieger e Guenther Krieger, 1994

http://www.uft.edu.br/neai/?p=388


The Structure of Akroá and Xakriabá and their relation to Xavante and Xerente: A contribution to the historical linguistics of the Jê languages, Fernando Carvalho e Gean Damulakis, 2015, p. 28-29

https://www.researchgate.net/publication/304015044_The_Structure_of_Akroa_and_Xakriaba_and_their_relation_to_Xavante_and_Xerente_A_contribution_to_the_historical_linguistics_of_the_Je_languages


Beiträge zur Ethnographie und Sprachenkunde Amerikas zumal Brasiliens. I. Zur Ethnographie. II. Glossaria linguarum Brasiliensium, Carl Friedrich Von Martius, 1867, p. 19-20

http://www.etnolinguistica.org/biblio:martius-1867-beitrage


Wakona-Kariri-Xukuru - Apesctos Sócio-Antropológicos dos Remanescentes Indígenas de Alagoas, Clóvis Antunes, 1973, p. 134

https://etnolinguistica.wdfiles.com/local--files/biblio%3Aantunes-1973-wakona/Antunes_1973_WakonaKaririXukuru.pdf





Autor da matéria: Suã Ari Llusan 






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