sábado, 4 de maio de 2024

SÉRIES DE PRONOMES DO MASAKARÁ, REALIS-IRREALIS E FINITUDE E NÃO-FINITUDE PARTE 2


 As línguas Kamakã não deixaram pistas óbvias de conjugação de TAM (Tempo-Aspecto-Modo), isso é parcialmente culpa das anotações pobres de análises mais aprofundadas, mas também é parcialmente culpa de nossa percepção aportuguesada das gramáticas indígenas. Argumento assim pois nós temos a ideia de que as línguas devam seguir certos padrões similarmente visto nas línguas indo-europeias, tanto que criou-se na percepção ocidental dessa padronização dos aspectos gramaticais compartilhados entre as línguas da Europa, que são relativamente incomum em comparação ao resto do mundo.


 Veja por exemplo o Maxakalí, essa língua não marca TAM da mesma forma que o português, nela existem dois modo, o realis e o irrealis, onde o realis marca tudo aqui que é real (presente, pretérito simples, gerúndio, ou seja, tudo que for uma ação completa ou em andamento), enquanto o irrealis marca o contrário, o hipotético (futuro, imperativo, optativo, subjuntivo, habitual e imperfeito, ou seja, tudo que não se concretizou ainda, que não é real). Essa língua marca seus modos a partir de suas codas, que são preservadas na fala deste povo.


 Eu não posso afirmar que tal ocorre no Kamakã, pois a maioria das codas desapareceram (vejam minhas postagens aqui no blog sobre o Sprachbund Nordestino), as que se preservam no Masakará são as seguintes:


in-ñung < ĩj-ñũ-k 'meu, minha' (*-k > -ng)

küm-ghüang 'braço dele(a)' < ki-mã-k 'braço dele(a)' (*-k > -ng)

krüng 'comer' < krẽ-k 'comer, fazer sexo' (*-k > -ng)

muy-ni 'cozinhar' < cognato do Maxakalí mu-k 'cozinhar' (*-k > -j)

a-yahh 'tu mijas' < a-jy-c 'tu mijas' (*-c > -x)

huntung, muntung 'dormir' < hũ-t 'dormir' (*-t > -tV)

thi-atta 'boca' < j-o-r 'boca' (*-r > -tV, fundiu-se com a coda acima)

puñ 'flecha' < pu-ñ 'flecha' (*-ñ > -ñ)

mni-mang 'peixe' < pã-m 'peixe' (*-m > *-Ṽ (vogal nasal))

a-mu 'tu vais' < a-mũ-ŋ (*-ng > *-Ṽ (vogal nasal), cf. Masakará: ajach cumung 'mijar ele(a) vai')

aming cuing 'comidar não existir' < significa 'fome', vem do Kariri/Natú a-mi 'comida, mantimento, fome' + PTSF ŋgwiŋ 'não existir' (*-ng > -ng)


 Eu seletivamente escolhi as poucas palavras que tiveram suas codas preservadas de uma forma ou de outra, enquanto em outros casos elas desaparecem e novas são criadas devido ao sotaque dos Kamakã, que de acordo com a fala da última falante nativa da língua Jacinta Grayirá, 'comia' suas sílabas, de forma similar ao que vemos na palavra telefone no dialeto de Lisboa: tylfon. A teoria que formo aqui é que ao menos o Masakará, devido a sua divergência prévia ao Kamakã Comum, teria uma distinção entre realis e irrealis similar ao Maxakalí, através de suas codas, note que os verbos acima estão todos em sua forma extensa, ou seja, com suas codas demonstradas, o que indica que os falantes que falaram com os anotadores estavam indicando o modo realis para eles, sendo esta a forma base dos verbos na língua destes povos. Portanto veríamos algo como:


1) in-mui 'eu cozinho' vs a-mu! 'cozinhe!'


2) in-muntung tsoikñi thia pa 'eu durmo nesse horário' vs a-mun!, a-hun! 'durma!'


3) mü krüng kahhü  'eu como mandioca' vs a-krü 'coma!'


 O esforço de revitalizar tais codas e o sistema realis-irrealis terá de ser feito a partir da comparação das palavras Kamakã com as da família Maxakalí e Krenák.





Autor da matéria: Suã Ari Llusan 



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