A palavra sa-bûè é composta de dois morfemas, suspeitei primeiro que bûè poderia ter relação com o Kariri buicu ‘flecha’ e o Boróro boeiga ‘arco’, ao menos nesse caso, não vejo uma semelhança salvo uma reanálise da proposta de Albissetti (1962, p. 483), que é boe ‘coisa’ + iga ‘arco’. Não pode ser flecha, pois a palavra ikrô ‘flecha’ já existe no Xokó, e é derivado do Jê Setentrional.
Sugiro que o primeiro morfema seja cognato direto do Xavante tsãmra ‘atirar, jogar, lançar’, enquanto o segundo elemento ainda gera dúvidas, pode ser que realmente seja cognato do boeiga e signifique ‘coisa’, assim sa-bûè ‘atirar-coisa’ ou ‘coisa de atirar’, pode ser que esse morfema necessite reanálise, daí teríamos sa-bûè ‘atirar-arco’ ou ‘arco de atirar’. Por último, o que no momento acho menos provável é que derive de pahö ‘andar longe, atirar longe’, mas vimos que esse foi quem derivou o pea de Peagaxinã ‘endônimo do povo Natú’, o que dificulta esse ser o caso, pois já sabemos seu resultado fonético nessas duas línguas aproximadas.
Há um outro problema, boe se desenvolveu como ‘mato, floresta, coisa, indígena Boróro, mundo, tempo’ na língua Boróro, no Kariri foi preservado em algumas instâncias como boe/be ‘mato, floresta’, como no Kipeá be-ne-te ‘borda da mata’ e no Dzubukuá boe-tte ‘coisa do mato’ > ‘roça’, ambas essas palavras derivam de um morfema bõ ‘capim’ do Jê Setentrional (Nikulin, 2020, p. 488), o desenvolvimento semântico para ‘coisa’ talvez tenha sido feito pelo Boróro, mas não é fácil dizer se o Xokó o compartilha, o que novamente dificulta relacionar bûè com boe ‘coisa’ e exatamente por isso que digo que buicu ‘flecha’ e boeiga ‘arco’ talvez precisem de uma nova análise de seus morfemas.
Autor da matéria: Ari Llusan
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