sexta-feira, 25 de abril de 2025

POR QUE O NĨM MUDOU PRA NAE, MAS O WIN FOI PRESERVADO NO JAIKÓ ?

 


 Existem duas palavras que estão me dando um pouco de dor de cabeça no Jaikó, essas são nae 'mão' de nae non 'mão' (lit.: mão ponta) e win 'matar', do verbo ti win 'ele(a) mata' (forma genérica do verbo começa com ti), a palavra nae 'mão' deriva do Jê *ñĩm 'mão', indicando-nos que o som de i nasal vira ae (o mesmo som entremeio visto no Kipeá ae), no entanto, quando vamos checar no verbo matar, vê-se que a vogal i nasal foi completamente preservada em win (compare o Boróro bi 'morte', Jê Setentrional bĩ 'matar.SG', estes dois derivados mais anteriormente de um Proto-Macro-Jê *wĩ 'matar', herdado tanto pelo agrupamento Jê próprio e pelo Transanfranciscano (Maxakali, Kamakã e Krenak).


O problema aqui é saber quem entregou qual palavra, pois isso irá não só dizer quem emprestou o lexema, mas pode datar a época em que cada palavra entrou na língua Jaikó e facilitar a reconstrução das palavras. Inicio com minha primeira suspeita, que é a de que foi uma língua Transanfranciscana que entregou a palavra nae 'mão' para o Jaikó, isso se deve por alguns fatores que irei explicar nos seguintes pontos:


1º) A palavra ñĩm só é um morfema analisável (isso é, uma palavra que os falantes sabem que tem como separar e ser uma palavra independente) dentro do Transanfranciscano, visto que ao adentrar o Jê Cerratense, ñĩm se torna preso ao morfema kra, formando ñĩm-kra 'filho da mão', que antes significava 'dedo', mas virou 'mão' em geral no Jê Cerratense, e isso parte diretamente para o próximo ponto


2º) O Jaikó ainda analisa a construção ñĩm-kra 'filho da mão' como 'dedo', visto a palavra nae non klan 'mão ponta filho' > 'dedo', que é uma isoglossa (isto é uma característica da fala, maneirismo linguístico) dos falantes de línguas Transanfranciscanas. Ao contrário disso, o Jê Setentrional analisa 'dedo' como 'mão' em seus descendentes e funde ñĩm-kra em uma palavra só, com ñĩm- se tornando um morfema de composição, isso é, que só surge preso a outra palavra.


Com isso, adiciono que win 'matar' seja de origem do léxico Boróro (família Boróro, não língua Boróro) que adentrou na língua, isso talvez indique o contrário de minhas teorias passadas, que o léxico Umutina que identifiquei adentrou na língua posteriormente, sendo essa uma população Transanfranciscana mista, possivelmente da mesma ramificação nortenha do Masakará, com populações Tremembé, Umutina, Pimenteira, Kariri e Tarairiú servindo de substratos por intermédio das migrações forçadas durante o período colonial, explicando assim o porquê de win não ter evoluído para wae, por ser uma adição recente ao léxico da língua.




Fontes:


MARTINS, A. M. S. Revisão da família linguística Kamakã proposta por Chestmir Loukotka. 2007. 89 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Departamento de Lingüística, Línguas Clássicas e Vernácula, Instituto de Letras, Universidade de Brasília. 2007


MARTIUS, K. F. P. von. Beiträge zur Ethnographie und Sprachenkunde Amerikas zumal Brasiliens. Vol. 1: Zur Ethnographie, vol. 2: Glossaria linguarum Brasiliensium. Leipzig: Friedrich Fleischer, 1867. 548 f.


NIKULIN, Andrey. Proto-Macro-Jê: um estudo reconstrutivo. Tese de doutorado em Linguística.

Brasília: Universidade de Brasília. 2020




Autor da matéria: Ari Suã Kariri 




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