quinta-feira, 12 de junho de 2025

A RUA DOS ÍNDIOS REFORMADA






Havia um tempo em que a pequena cidade de Porto Real do Colégio, no coração do sertão alagoano, começava a se transformar. Prédios novos surgiam, ruas eram pavimentadas, e o progresso caminhava lentamente pelas margens do Rio São Francisco. No entanto, havia uma rua que resistia ao tempo e ao cimento: a Rua dos Índios. Localizada ao norte da cidade, perpendicular às águas barrentas do Velho Chico, ali ainda reinavam as casas de taipa, enraizadas na terra como as histórias dos anciãos.


Na esquina da rua, o Posto Indígena erguia-se com paredes de alvenaria — uma solitária sentinela de concreto ao lado da escola indígena, que também era feita de tijolo e esperança. Em 1972, algo mudou. Veio de Brasília a decisão: a Fundação Nacional do Índio, sob comando do Ministério do Interior, anunciava uma grande reforma. A Rua dos Índios seria transformada.


A notícia correu como vento entre as palhas dos telhados. Seriam casas novas, escola ampliada com três salas de aula, uma enfermaria e até moradia para as professoras. Na Colônia Indígena, onde viviam outros parentes da mesma etnia Kariri-Xocó, instalaram um chafariz com água encanada — um milagre líquido para quem tanto conhecia a sede do sertão.


A professora Terezinha Wanderley, uma mulher firme e sábia que já ensinava desde os tempos do SPI, ainda resistia com seus cadernos surrados e sua voz paciente. Mas agora, novas educadoras chegaram: Marly Pimentel, Lourdes, Catunília… cada uma trazendo livros, sotaques e novos horizontes. Era o começo de uma nova era.


No posto, o chefe era o Tenente Ademir, homem do Exército, com botas engraxadas e olhar severo. Impunha respeito tanto na aldeia quanto na cidade. Dizia-se que bastava sua presença para pôr ordem onde havia confusão. Alguns o temiam, outros o respeitavam. Mas todos reconheciam: ele fazia cumprir as regras — inclusive a de que agora era tempo de mudança.


Com o passar dos anos, as crianças cresceram, os jovens se casaram, e a rua — aquela mesma rua reformada — começou a ficar pequena. A terra já não bastava para tantos passos.


Foi então que, em 1978, os Kariri-Xocó tomaram uma decisão histórica. Retornaram às suas antigas terras na Fazenda Modelo. Lá, ergueram uma nova aldeia, mais ampla, mais viva, como se a memória dos antepassados brotasse do chão.


E a Rua dos Índios ficou para trás, não esquecida, mas lembrada como o ponto de partida de um novo capítulo na longa caminhada do povo Kariri-Xocó.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



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