Na aldeia Kariri-Xocó, o tempo parecia caminhar no ritmo das mãos das ceramistas. Mãos firmes, calejadas, conhecedoras do barro, que transformavam a argila em vida, em utensílios que guardavam água, cozinhavam feijão e resistiam ao fogo. Era ali, na curva do Rio São Francisco, que o Bubehó — o forno cerâmico — se acendia como o coração ardente de uma tradição ancestral.
As mulheres eram as tecedeiras do barro, moldando o Ruño — o pote cerâmico — e a Runhú — as panelas de barro. Seus cantos ecoavam entre os quintais, entrelaçados com o som do barro sendo amassado, moldado, afinado. Enquanto isso, os homens partiam cedo para o mato, em busca da lenha seca, escolhida com sabedoria para alimentar a fome do Bubehó.
O Anran umah, o homem do fogo, era quem assumia a tarefa mais exigente: preparar a queima. Ele conhecia cada detalhe do forno feito de tijolos e argila, com sua câmara e pequena abertura como boca faminta. Sabia o momento certo de empilhar os potes com cuidado, respeitando a ordem das peças e o sopro do vento.
Quando a tarde caía, o fogo ganhava vida. Labaredas dançavam dentro do Bubehó, como espíritos antigos saudando a tradição. Durante três horas, o calor invadia o ar, tingindo o céu com o perfume da madeira e o sussurro do barro se tornando pedra.
No silêncio da noite, o forno então descansava. Era preciso deixá-lo esfriar aos poucos, respeitar o tempo do barro. Somente o amanhecer permitiria que o Anran abrisse sua boca e retirasse, um a um, os objetos que agora estavam prontos para servir ou viajar às feiras das cidades e dos povoados ribeirinhos.
Mas os tempos mudaram. A partir da década de 1990, as geladeiras começaram a chegar às casas ribeirinhas. Os potes cerâmicos perderam seu lugar. As panelas de barro foram sendo esquecidas. As feiras já não esperavam ansiosas pelas ceramistas.
E as mulheres, as grandes mestras do barro, foram ficando velhas. Poucas continuam a moldar. Poucas ainda cantam enquanto trabalham a terra molhada.
Mas o Bubehó ainda está lá. Silencioso. De vez em quando, volta a se acender.
Porque ainda há um guardião do fogo.
E enquanto ele respirar, o forno viverá. E com ele, a memória do povo Kariri-Xocó continuará ardendo, como brasa que nunca se apaga.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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