quinta-feira, 26 de junho de 2025

UANRANDZI, O Remédio da Floresta






Na beira de uma mata sagrada, onde o vento sussurra os segredos antigos do povo Kariri, vivia um menino chamado Atandé. Ele crescera ouvindo as histórias do seu avô, o pajé Ibiraci, sobre os seres da floresta, os encantos e o Dimé, o espírito guardião de cada ser vivo e inanimado. Para Atandé, tudo tinha alma: a árvore que dançava com o vento, o rio que murmurava ao anoitecer, a pedra silenciosa na beira da trilha. Tudo era vivo.


Certa manhã, sua irmã mais nova, Iaiá, adoeceu de repente. Seu corpo tremia como folha ao vento, e seus olhos perderam o brilho. Preocupada, a família se reuniu e levou a menina até o velho pajé. Com passos calmos e olhar profundo, Ibiraci ouviu em silêncio, tocou o peito da criança e disse apenas:

— Essa doença não é da carne, é do espírito. Precisamos buscar o Uanrandzi.


Atandé tremeu ao ouvir esse nome sagrado. "Uanrandzi", o Remédio da Floresta, não era um simples chá ou infusão. Era um chamado, uma invocação ao mundo invisível dos espíritos. Um remédio que só se revelava àqueles que andavam com respeito sobre a terra e sabiam ouvir o coração da mata.


— O remédio está vivo — disse Ibiraci. — E precisa ser convencido a ajudar.


Na manhã seguinte, Atandé acompanhou o pajé até o interior da floresta. Pararam diante de uma árvore antiga, onde o pajé acendeu o cachimbo sagrado e começou a entoar um canto em Kariri. Era um pedido ao Dimé da planta, uma súplica pela vida da menina.


— Nada se retira da floresta sem antes pedir — sussurrou o ancião. — Cada raiz tem dono. Cada folha tem espírito. O que muitos chamam de “matéria”, para nós é apenas a roupa do espírito.


Por três dias, a família toda se purificou, jejuou e orou. Entoaram cantos, ofereceram água à terra e pediram permissão aos seres dos encantos sagrado. Quando o tempo certo chegou, Ibiraci colheu uma casca e três folhas da árvore consagrada, misturou com raízes e preparou a mezinha com rezas e sopros.


No fim do terceiro dia, ao cair da tarde, o remédio foi dado à menina. Ibiraci tocou o peito dela com um ramo molhado e, como se uma brisa percorresse o quarto, o calor do corpo de Iaiá se dissipou. Ela abriu os olhos e sorriu. Estava curada.


Atandé nunca esqueceu aquele momento. Não era só o remédio que curava, mas o equilíbrio entre o visível e o invisível, entre a fé, a natureza e os princípios sagrados do povo Kariri.


Anos depois, ele mesmo se tornaria pajé, e cada vez que alguém adoecia, caminhava até a floresta, onde o Uanrandzi — o Remédio da Floresta — ainda vivia, guardando, com suas raízes, o segredo da harmonia entre os mundos.





Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





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