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domingo, 29 de junho de 2025

CAIPORA, A Protetora dos Animais






Nas profundezas das florestas do Opará, onde o rio canta antigas canções e os ventos sussurram segredos aos ouvidos atentos, habita um ser sagrado. Na terra dos Kariri-Xocó, em Porto Real do Colégio, estado de Alagoas, vive a Caipora – pequena em tamanho, mas gigante em poder e sabedoria.


Dizem os mais velhos, e confirmam os que já se perderam nas trilhas, que a Caipora não é apenas uma lenda: é guardiã da floresta, espírito feminino que protege os animais e castiga quem fere a ordem sagrada da mata.


Ela aparece como uma pequena índia, de olhos vivos e corpo ágil como o do próprio veado que ela protege. Carrega um chicote feito de cipó e sombra. Com ele, pune sem piedade os caçadores que entram na mata sem respeito, sem pedir licença, sem oferecer o fumo sagrado no tronco das árvores, como manda a tradição.


Não se trata de proibir a caça, mas de reconhecer a floresta como um ser vivo, cheio de leis e espíritos. Quem caça por necessidade, com coração humilde e oferenda sincera, pode seguir. Mas quem entra com ganância, com pressa, sem escutar o canto da mata, esse... se perde. Literalmente. Fica rodando em círculo, ouvindo risos nas sombras, caindo e levantando, como se o mundo tivesse se virado do avesso. E é ela — a Caipora — que guia esse castigo.


Em Kariri-Xocó já se ouviram muitas histórias. Caçadores jovens, inexperientes, voltaram assustados, dizendo que viram olhos brilhando entre as árvores, ou que uma mão invisível os puxava para o chão. Alguns não quiseram contar tudo. Preferiram o silêncio dos que aprenderam a lição.


A floresta do Ouricuri, que é sagrada para nosso povo, segue viva porque também fazemos a nossa parte. Ajudamos os protetores invisíveis. Plantamos, cuidamos, cantamos, oramos. E assim, quando caminhamos entre as árvores, ouvimos o canto alegre dos pássaros, o zumbido dos beija-flores, vemos pegadas de antas e cutias. Tudo respira em harmonia.


E se um dia você for à mata do Opará e sentir um arrepio leve na nuca, não se assuste. Talvez seja a Caipora apenas observando. Se estiver em paz com a floresta, ela deixará você passar. Mas lembre-se sempre: peça licença. E leve um pouco de fumo, não como moeda, mas como sinal de respeito.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 


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