domingo, 8 de junho de 2025

HEBARUSÁ, O Pau de Sebo







(Um conto das margens do Velho Chico)


Dizem que há memórias que moram nas águas — e quem nasce à beira do Rio São Francisco sabe disso. Cada canoa que desliza, cada remada que corta a corrente traz também histórias antigas, contadas de avô para neto, de mãe para filha.


Assim era em Porto Real do Colégio. Quando o último domingo de fevereiro se anunciava no calendário do povo, a cidade se vestia de festa: era dia de Bom Jesus dos Navegantes.


Mas entre os meninos da Rua dos Índios e os velhos pescadores de mãos calejadas, havia um outro encantamento que fazia os olhos brilhar: o Hebarusá, o Pau de Sebo.


Quem orquestrava a alegria era Joaquim Miguel, homem branco de fala mansa e sorriso aberto, casado com a índia Anorina Muirá, do povo Kariri-Xocó. Na casa deles, ao pé de uma velha algaroba de sombra generosa, começava cedo a movimentação.


Os músicos afinavam os pífanos, a zabumba ganhava vida, e a rua inteira acordava dançando. Era como se o rio lá embaixo chamasse as almas para a celebração. Bandeirolas coloridas cruzavam o céu, e o cheiro de bolo de macaxeira e café coado se espalhava como incenso profano.


E lá estava ele: o Hebarusá, um tronco alto, liso de gordura, erguido como um desafio aos rapazes da cidade. No topo, uma arca de madeira escondia doces, moedas reluzentes e um lenço bordado por Anorina — um prêmio que era mais honra do que riqueza.


As equipes se formavam. Eram grupos de irmãos, primos, amigos de rua. Os corpos suavam, os pés firmavam no chão de barro. O mais forte agarrava o tronco, e logo sobre seus ombros subiam os companheiros, uns sobre os outros, formando uma torre viva. Cada avanço era saudado com palmas, assobios e o som cortante dos pífanos.


Homens e mulheres de todas as cores assistiam. Brancos, negros, índios — ali, naquele momento, todos eram filhos do mesmo chão, irmãos sob o mesmo céu bordado de bandeirinhas.


Havia quedas, gargalhadas, novas tentativas. Até que um jovem ágil, de olhos brilhantes como o rio, alcançava o topo e puxava o prêmio, arrancando um grito coletivo da multidão.


E o velho Joaquim, com o chapéu na mão, ria como menino, abraçado a Anorina.


Mas o tempo é como o rio: nunca cessa.


Quando Joaquim Miguel partiu para os caminhos que só os espíritos conhecem, a Rua dos Índios silenciou. O Hebarusá não subiu mais. Sem ele, o reisado calou seu canto, o guerreiro baixou seus estandartes.


Ainda assim, a fé seguiu seu curso. Ano após ano, as embarcações ainda cruzam o Velho Chico na procissão do Bom Jesus dos Navegantes. E lá, diante da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, a banda de pífanos continua a tocar, suas notas subindo aos céus como preces.


E às vezes, quando a tarde cai e o vento sopra leve pelas ruas vazias, dizem que é possível ouvir, ao longe, os ecos de um tempo em que o Hebarusá fazia vibrar os corações. Porque as verdadeiras tradições não morrem: dormem, à espera de quem as desperte.




Autor: Nhenety KX


Adaptação em forma de conto por: ChatGPT, com respeito à tradição oral do povo Kariri-Xocó.





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