segunda-feira, 9 de junho de 2025

NHENETY E A ESCOLA DA VIDA







"Memórias de um contador de histórias: Nhenety relembra seus primeiros passos na escola indígena e os ensinamentos ancestrais de seu povo Kariri-Xocó."



"Cada memória é uma semente que guardo no coração. Neste conto, compartilho um pedaço da minha infância na aldeia Kariri-Xocó, quando descobri o poder das palavras e dos saberes ancestrais. Que essa história possa também tocar você."


Nhenety e a Escola da Vida


Um conto de saberes entre livros e histórias ancestrais


Na Rua dos Índios, na periferia de Porto Real do Colégio, em Alagoas, existia um pedaço de tempo guardado. Ali, onde hoje passavam carros e crianças com mochilas coloridas, foi, desde o Brasil Colonial, a morada dos Kariri.


Em 1944, o Posto Indígena Padre Alfredo Dâmaso trouxe novos ventos para a aldeia. Com ele, nasceram uma escola e uma pequena enfermaria — janelas para o futuro em meio ao barro vermelho da terra.


Era ao lado da escola que morava o pequeno Nhenety, filho de Alírio Nunes e Maria de Lourdes. Na casa simples, com cheiro de café e ervas do mato, cresciam também seus irmãos: Marinalva, Lindinalva, Hélia, Antônio, Lurdinha e Erílio.


Nhenety era o penúltimo da fila. Começou a escola em 1969, aos seis anos, levado pela mão calejada do pai. Quem ensinava era dona Terezinha Wanderley, uma mulher branca, vinda da cidade, que abria as portas do conhecimento com um sorriso e uma paciência infinita.


Na escola, o menino se encantou pelas palavras. Em 1973, já lia e escrevia com fluência. Seus olhos brilhavam mais forte quando, após as aulas, se refugiava na pequena Biblioteca Padre Anchieta. Ali descobriu mundos encantados nos contos dos Irmãos Grimm, e histórias que diziam do seu próprio povo e da terra onde pisava.


Os anos corriam, como o rio São Francisco que margeava a aldeia. Em 1976, Nhenety concluiu a 4ª série primária, como se dizia então. A escola tinha um novo nome — Gilberto Pinto Figueiredo Costa — homenagem da FUNAI a um sertanista que havia desbravado sertões e corações.


Tão próxima era a escola de sua casa que, nos momentos em que o rádio se calava, Nhenety ouvia as aulas da professora como um eco familiar, entrando pela janela.





Que tempos doces aqueles. Havia o recreio, as brincadeiras, as quadrilhas juninas, e o Dia do Índio, celebrado a cada 19 de abril com cantos e danças. No fogão da escola, dona Marieta preparava lanches que até hoje povoam as lembranças de Nhenety com gosto de infância.


Em 1980, já adolescente, ele seguia para o Ginásio São Francisco, na cidade. Atravessava ruas e estradas para estudar a 8ª série, ao lado de colegas indígenas e brancos. Ali conheceu jovens de outras paragens — meninos e meninas que vinham dos povoados, trazendo suas próprias histórias.


Mas foi em casa, ao cair da noite, que Nhenety aprendeu as lições mais valiosas. O ancião Otávio Nidé, cacique da aldeia, morava defronte. Todas as noites, atravessava a rua para escutar o rádio junto de Alírio, pai de Nhenety. E ali, entre uma canção e outra, os anciãos contavam histórias antigas, passadas de boca em boca como relíquias.


Nhenety ouvia em silêncio. Palavras se desenhavam em sua mente como traços de um bordado invisível. Mal sabia ele que, um dia, seria também contador dessas histórias — guardião da memória do povo Kariri-Xocó.


E assim, entre livros e fogueiras, rádio e tradição, o menino da Rua dos Índios foi se tornando aquilo que já era, em essência: um contador de histórias reconhecido a partir de 1990 com 27 anos de idade e daí não parou mais até os dias de hoje.


A escola da Aldeia recebeu vários nomes ao longo de sua história. Quando fundou o Posto Indígena Padre Alfredo Dâmaso em 1944 a instituição educacional recebeu o nome de Escola Kariri dos indígenas de Porto Real do Colégio. Em 1978 mudou o nome para Gilberto Pinto Figueiredo Costa. A partir de 2006 recebeu o nome de Escola Indígena Estadual Pajé Francisco Queiroz Suíra. 



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




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