No tempo em que as televisões de tubo reinavam nas salas, iluminando os olhos curiosos com seus brilhos trêmulos, um novo objeto começou a visitar as casas das pessoas. Primeiro chegou bem longe, do outro lado do mundo — lá no Japão — em 1976. Chamavam-no de vídeo cassete, ou VCR. Um aparelho mágico que podia guardar o tempo dentro de uma fita e fazer o passado se repetir diante dos nossos olhos.
Mas não foi logo que ele chegou em Porto Real do Colégio, em Alagoas. Foi só lá pelos anos de 1990 que a aldeia Kariri-Xocó viu, pela primeira vez, aquela máquina estranha ser colocada em cima de um rack de madeira, junto da televisão. As crianças olhavam com espanto, os mais velhos franziram a testa. O que seria aquilo? Um gravador de sonhos?
Quando apertavam o botão e a fita deslizava para dentro, surgiam imagens de filmes, músicas, programas de TV. Mas algo ainda mais surpreendente aconteceu: os próprios indígenas começaram a se ver nas telas. Documentários que falavam da sua gente, das danças, dos rituais, das lutas e das esperanças, podiam agora ser assistidos a qualquer momento.
Foi então que os anciãos decidiram dar ao aparelho um nome na sua própria língua ancestral. E assim nasceu o nome Cramysawa — a Caixa de Fita que Grava Imagens.
— Cramenu é caixa, disse o mais velho. — Mymycá, a fita que corre e guarda. — Samy, o poder de gravar. — Waruá, a imagem, a figura viva.
E ali, naquela pequena caixa com botões e luzes, havia um universo inteiro: da aldeia ao mundo, do mundo à aldeia.
Na cidade, uma locadora chamada Stilus se tornou ponto de encontro. As pessoas vinham a pé, de bicicleta, algumas de carro, para escolher qual história levariam para casa naquela noite. Filmes de ação, de amor, de lendas. E entre as capas coloridas de cartolina plastificada, um ou outro documentário sobre o povo Kariri-Xocó também esperava por alguém que quisesse saber mais.
Cramysawa não era apenas um aparelho eletrônico. Era uma espécie de espelho encantado que mostrava para o povo indígena que suas histórias também podiam ser vistas, guardadas, lembradas.
E hoje, mesmo que muitos já não usem mais fitas, mesmo que o tempo digital tenha chegado, os mais velhos ainda lembram:
— Você se lembra da Cramysawa?
— Claro que sim. Foi quando começamos a ver a nossa própria história em movimento.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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