terça-feira, 8 de julho de 2025

TSEPINEHEKIÉ, Gente Pequena de Brincar






Um Conto Sobre Bonecas e Bonecos


Nos tempos em que o Sol ainda brincava de esconde-esconde com a Lua nos céus de Porto Real do Colégio, havia um pequeno povo que vivia entre os galhos das árvores, os cantos dos rios e as mãos habilidosas das crianças. Eram os Tsepinehekié, conhecidos como “Gente Pequena de Brincar” — bonecos e bonecas nascidos do barro, da madeira, das folhas, das espigas de milho e até mesmo das raízes da timbaúba.


Entre os Kariri-Xocó, não eram apenas brinquedos. Eram seres encantados, criados com o espírito da alegria e do movimento, do gesto e da imaginação. As meninas modelavam bonecas com espigas de milho, trançando cabelos de palha e vestindo com folhas delicadas. Os meninos, por sua vez, esculpiam com a faca pequena os bonecos guerreiros na madeira leve da timbaúba ou moldavam figuras no barro do rio, que endurecia ao sol.


— Eles vivem com a gente quando brincamos — dizia a avó Nairá —, mas voltam pro mundo encantado quando anoitece.


Com o tempo, brinquedos vindos das cidades chegaram ao povoado. Bonecas de plástico que choravam, soldados que falavam, heróis que acendiam luzes nos olhos e andavam sozinhos pela casa. Eram caros, brilhantes, anunciados nas telas da televisão e desejados como tesouros. Muitos pais não podiam comprá-los, e as crianças, com olhos sonhadores, voltavam para os quintais, para os troncos, para o barro.


Foi quando Kauã, um menino de olhos atentos como beija-flor, encontrou uma raiz de timbaúba caída na mata. Ele se sentou debaixo de um jenipapeiro e, com a faca do avô, esculpiu com cuidado um boneco pequeno, forte, com um cocar de penas de andorinha. Chamou-o de Arawá, o pequeno guardião.


— Você vai lutar pelo nosso povo — sussurrou Kauã.


Na mesma aldeia, sua prima Nahiá criou Iarámi, uma boneca feita da espiga do milho novo. Tinha um sorriso largo feito de sementes e saia feita de folha de bananeira.


Naquela noite, quando os brinquedos eletrônicos silenciaram e as luzes se apagaram, Arawá e Iarámi tomaram vida. Correram pela casa, dançaram entre os cantos dos velhos, e foram brincar com os sonhos das crianças. Os brinquedos modernos, mesmo brilhantes, dormiam. Mas os Tsepinehekié, feitos de terra e afeto, nunca dormiam por completo.


Eles viviam onde mora a infância verdadeira — no gesto de criar com as próprias mãos, no som da risada compartilhada, na magia da simplicidade.


Desde então, sempre que uma criança Kariri-Xocó molda um boneco ou uma boneca com o que a Mãe Terra oferece, nasce um novo Tsepinehekié. E enquanto houver uma criança que brinque com o coração, eles jamais deixarão de existir.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 






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