terça-feira, 8 de julho de 2025

WONHÉWORO, Cantigas de Roda






Um Conto Sobre Cantigas de Roda 


Na aldeia Kariri-Xocó, sob o céu amplo e estrelado, onde o vento sussurra histórias aos ouvidos atentos dos anciões e das crianças, o canto tem morada sagrada. Há cantos para o Toré, para o mutirão, para a cura na mesa da jurema. Cantos que não são apenas sons — são caminhos que ligam os vivos aos antepassados, o presente aos tempos de antes.


Ali, cantar em círculo não é brincadeira qualquer — é cerimônia, é dança, é tradição viva. O Toré, em sua sabedoria, junta homens, mulheres e crianças, sob o sol ou à luz da lua, com seus maracás ressoando o ritmo do coração da terra.


Mas o tempo, esse que carrega novidades nos ombros, um dia trouxe algo novo. Com os colonizadores vieram palavras diferentes, gestos outros, e também cantigas de roda, trazidas de além-mar. Brincadeiras cantadas, giradas, rimadas. Aos poucos, essas cantigas se misturaram às vidas da aldeia. E logo, as crianças Kariri-Xocó passaram a chamar essas brincadeiras cantadas de Wonhéworo: Wonhé, que é cantar, e Iworó, que é roda.


Entre as árvores do pátio da escola e as sombras projetadas pelas ocas, ouvia-se ao entardecer as vozes delicadas cantando:


— Ciranda, cirandinha... vamos todos cirandar...


Ou então:


— Atirei o pau no gato-to...


Cantavam também as antigas canções do povo:


— Maruanda! Maruanda!

— Jurumbá! Jurumbá!


Essas não vieram de fora. Vieram dos antigos, dos antepassados, dos que andam nas folhas, nas águas, nos ventos.


As noites de lua cheia se tornaram momentos especiais. As crianças, de mãos dadas, formavam um grande círculo no terreiro. Cantavam, riam, rodopiavam sob a luz branca da lua que parecia sorrir lá do alto. E quando uma estrela cadente cruzava o céu, os mais velhos diziam:


— É o espírito da música trazendo alegria ao povo.


Com o passar dos anos, chegaram as telas. No celular, na TV, no mundo da internet, novos personagens cantavam cantigas: Mundo Bita, Galinha Pintadinha, A Fazenda do Zenon, Bento e Totó. Era tudo bonito, colorido, animado em três dimensões. As crianças gostavam, riam, assistiam juntas. Mas os mais velhos, observando com olhos de saudade e sabedoria, diziam:


— Ver e ouvir é bom… mas cantar com as mãos dadas é o que aquece o espírito.


Porque o Wonhéworo, para o povo Kariri-Xocó, é mais do que uma brincadeira. É memória viva. É um laço que une as vozes das crianças com os ecos antigos da floresta. É um abraço em roda, onde se canta para não esquecer quem se é.


Na aldeia, sempre que a lua se mostra inteira e redonda no céu, o Wonhéworo acontece. E mesmo que o mundo digital chegue com força, ali, o canto coletivo ainda reina — firme, sagrado, ancestral.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 






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