quarta-feira, 16 de julho de 2025

UANIE DAWÍ DEHÓ CANGHITÉ CARAÍ, Indígena Usa Coisas de Branco





Um Conto de Usar Coisas dos Brancos


Era uma manhã fresca no aldeamento quando o jovem Awasúa, de olhar curioso e pés ligeiros, despertou com os primeiros cantos dos passarinhos. Os mais velhos diziam que, antes do tempo dos brancos, tudo era diferente. Mas Awasúa era Uanie — um indígena — nascido entre tempos, entre o eco dos ancestrais e os ruídos da cidade.


Awasúa andava com o Dawí dehó, ou como diziam os antigos: “com as coisas dos caraí”. Ele aprendera, com sabedoria, a usar as boas coisas Canghité dos brancos, sem esquecer o que brotava de sua terra e de seu povo.


Naquele dia, enquanto se preparava para mais uma ida à cidade vizinha, Awasúa se olhou no Warupoá, o espelho dos olhos seu óculos. Era um presente do tio Birenó, que morava longe, mas sempre trazia novidades. Ajustou os óculos sobre o rosto e sorriu:


— Agora vejo melhor o mundo dos brancos, mas também enxergo mais fundo as raízes do meu povo.


Prendeu no pulso o seu Uché Iworó, a roda do tempo "relógio". Aprendera a ler os ponteiros com a professora Dona Terezinha, uma mulher de fora que respeitava os saberes da aldeia.


Ao sair, calçou seus Sebéby, os cobertores dos pés "sapato". Já havia cortado muito chão descalço, mas a estrada de pedra quente agora pedia proteção.


Vestiu sua Crutewõá e Crutéubi — o pano das pernas e da barriga "calça e camisa". Mesmo sendo roupas do branco, ele sabia como usá-las sem esquecer o urucum no rosto, a pintura que dizia: “sou da terra, sou dos meus”. E no pescoço, levava o Bemeradzó, colar de ferro reluzente que brilhava como os colares antigos, agora feito com outro material.


No bolso, o Tokliddaysã, o falar com o mundo na mão, apitava com mensagens. Era o celular. Ele o usava para falar com parentes de outras aldeias, ouvir cantos antigos, assistir vídeos de danças sagradas.


Montado na bicicleta, sua Ibaworóbi, seguia veloz como tatu do campo. Às vezes pegava carona na Ibáranú Uitane Iworó, a moto roncadora do primo Karapotó, e quando tinha sorte, iam até de Ibápohduá, o carro do cacique Itapó.


— Você anda com as coisas dos caraí, Awasúa? — perguntavam os mais velhos com olhos desconfiados.


Ele sorria com serenidade e respondia como ouvira dos encantados:


— Sim, ando com Dawí dehó Canghité Caraí, mas minha alma dança com os pés no chão da minha terra.


E assim seguia Awasúa, o Uanie entre mundos, ponte viva entre tempos. Como o tronco de um grande jatobá: firme na raiz, mas com os galhos estendidos para o céu.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




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