terça-feira, 15 de julho de 2025

ERÁ UANIE CANGHITÉ CARAÍ, Casa Indígena Com Coisas Boas de Brancos








Um Conto Sobre Coisas dos Brancos



Num tempo que não é nem velho nem novo, no meio de um povo onde os ventos ainda cantam os nomes dos ancestrais, havia uma aldeia onde o antigo e o moderno caminhavam lado a lado. Lá vivia Tupichá, um menino curioso, de olhos atentos e pés descalços, que adorava ouvir as histórias contadas por seu avô Aniru.


Tupichá morava com sua família numa casa diferente das casas redondas dos tempos antigos. Era uma "eracró", feita de tijolos e cimento, mas com alma de "erá". Na sala, havia uma coisa que ele chamava de Warudókli, “o espelho que fala”. Era uma TV que mostrava imagens de mundos que ele nunca viu, mas que o faziam sonhar.


— Vovô, por que a gente tem tanta coisa dos caraí aqui em casa? — perguntou Tupichá certa tarde, enquanto mexia nos botões do Pepéwahimy, o videogame.


O velho Aniru, sentado em sua rede, sorriu com paciência:


— Porque o nosso povo aprendeu a caminhar com dois mundos, neto. As coisas dos brancos entraram em nossas casas, mas não podem apagar o que somos por dentro.


Tupichá olhou ao redor. Lá estavam o Pohiesawa, a câmara de vídeo da sua irmã Jariúna, que gostava de gravar as festas da aldeia; o Craiwopiwon, que girava e mostrava filmes; e o velho Craiwonhé, o toca-discos do seu tio Kaubi, que ainda fazia dançar ao som de músicas antigas.


Na cozinha, a mãe de Tupichá usava o Crameupudu, o fogão que soprava fogo, para preparar a comida. E a Cramenunhí, a geladeira, guardava as frutas e o peixe do rio.


Ao redor da casa, os caminhos de terra vermelha estavam marcados por trilhas de Ibáranú Uitane Iworó, as motos que chegavam roncando, por bicicletas Ibaworóbi e até por um Ibákabaru, a carroça puxada por burro do velho Ti'Paié.


Mas nem tudo era novo. Na parede, o Uché Iworó, o relógio, marcava as horas, mas era o canto do Inambu que dizia quando era tempo de caçar. Em cima da mesa, havia o Tonranran Toklikli, os livros com folhas que falavam, e também os Torãkemwa, as revistas com imagens coloridas, e os Torãpisetí, os cordéis pendurados em um fio de arame que o vento adorava ler.


No quarto, Tupichá guardava com carinho suas Tsepinehekié, as bonecas que seu avô esculpiu, com rostos de madeira e olhos de sabedoria.


Na sala de memória da casa, repousavam o Keisontsebu, o cocal de penas usado nos rituais; os Ubadi, os enfeites da alma; o Buibú, o maracá que o avô usava para chamar o Toré; e o Seridzé e Yarú, o arco e flecha que ainda eram ensinados, não para guerra, mas para lembrar a força dos antigos.


Tupichá aprendeu que a Erá Uanie Canghité Caraí era mais do que uma casa com coisas dos brancos. Era um lugar onde as lembranças e os futuros caminhavam juntos. Onde as caixas que cantam, giram e esfriam conviviam com a sabedoria das folhas que falam, dos bonecos que brincam e das flechas que apontam o caminho do coração.


E assim, na casa de Tupichá, o tempo dançava com as rodas, as palavras se misturavam em muitos sons, e a cultura vivia — transformada, mas jamais esquecida.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 






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