terça-feira, 1 de julho de 2025

UNAE TÇOHÓ KUDUÁ, Sonhar Ter Cabelos Brancos






Naquela aldeia banhada de sol e histórias antigas, todas as pessoas carregavam dentro de si um sonho — como em qualquer lugar do mundo. Ali, o tempo não era apenas um passar de dias, mas um tecido de sabedoria, tramado com o silêncio dos mais velhos e a curiosidade dos mais jovens.


Nhenety ainda era menino quando certa manhã, o velho Pirigipe, primo de sua mãe e guardião de muitas histórias, o chamou com voz mansa:


— Menino, você gosta tanto de ouvir histórias... Mas me diga, qual é o seu maior sonho?


Nhenety ficou em silêncio por um instante. Olhou o rosto enrugado do velho e respondeu com firmeza de quem já sonhava há muito tempo:


— Tio Pirigipe, o meu maior sonho é o Unae tçohó kuduá... sonhar ter os cabelos brancos.


Pirigipe arregalou os olhos, curioso com tamanha resposta.


— Cabelos brancos? Por que você quer ter os cabelos brancos, meu filho?


O menino sorriu e disse:


— Porque eu quero ser um ancião como o senhor. Não quero morrer com os cabelos pretos, sem maturidade. Quero envelhecer em sabedoria e ser lembrado como alguém que viveu para ensinar. Ser um ancião é o maior sonho que posso realizar.


O velho Pirigipe assentiu em silêncio. Seu olhar marejado mostrava que compreendia a grandeza daquele desejo.


Os anos passaram como o rio que nunca para. O velho Pirigipe partiu para a Aldeia Sagrada, onde os ancestrais vivem no tempo do espírito. Nhenety cresceu, casou-se, teve filhos, caminhou pela vida com o coração cheio de memórias e o olhar voltado à sabedoria dos antigos.


Aos sessenta anos, numa manhã fresca, Nhenety caminhava pela aldeia. Ao passar por uma grande árvore, viu um grupo de anciãos reunidos. Entre eles, o velho Teipó ergueu o braço e o chamou:


— Nhenety, venha aqui, meu irmão! Agora sim, você chegou...


Nhenety se aproximou. Teipó, com os olhos apertados pelo tempo, continuou:


— Lembro de você pequeno, quando o velho Pirigipe lhe perguntou sobre o seu maior sonho. E você respondeu que queria ter os cabelos brancos para ser ancião. Pois veja bem... seus cabelos hoje estão grisalhos, pretos e brancos, sinal de que o sonho está se realizando.


O silêncio foi de respeito.


— Parabéns, Nhenety — disse Teipó com a voz embargada. — Você mostrou competência em viver segundo nossa tradição. Tornou-se exemplo para os que virão.


E ali, sob a árvore antiga que já ouvira tantas histórias, Nhenety compreendeu que viver é honrar os caminhos traçados pelos que vieram antes — e que ter cabelos brancos é mais que idade: é ser raiz, é ser ponte entre o passado e o futuro.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




Nenhum comentário: