A Fábula das Aves Semeadora e a Anunciadora
No coração da mata, entre folhas verdes e frutos maduros, vivia o Guriatã, conhecido por Vim-vim pequenino e colorido. Seu peito dourado e seu dorso azul-escuro refletiam a alegria da floresta. Ele passava os dias levando sementes de um lado a outro, ajudando a terra a se renovar. Onde pousava, nascia esperança.
Mas ao cair da tarde, quando o sol se escondia e os ventos sopravam frios, ecoava o canto do Matintaperê, conhecido por Peitica. Seu som longo e misterioso fazia os animais se encolherem, pois todos diziam:
— “É o aviso dos espíritos, é o mensageiro do além.”
Um dia, os dois se encontraram no galho de uma samaumeira. O Guriatã, curioso, perguntou:
— “Por que cantas sempre trazendo medo? Teu canto não ajuda a floresta como o meu.”
O Matintaperê respondeu com voz grave:
— “Meu irmão pequeno, tu espalhas sementes na terra, mas eu espalho lembranças no coração. Meu canto não é só de medo, é aviso. Lembro aos vivos que a vida é breve e que devem caminhar com respeito, pois o mundo dos espíritos sempre está por perto.”
O Guriatã baixou os olhos e pensou. Depois, sorriu:
— “Então somos diferentes, mas necessários. Eu ensino a terra a renascer, e tu ensinas o coração a respeitar o invisível.”
Naquele instante, os dois cantaram juntos. O trinado alegre do Guriatã se misturou ao assobio profundo do Matintaperê, e a floresta inteira ouviu uma melodia nova — feita de vida e mistério, de sementes e espíritos.
E assim, desde esse dia, quem escuta com atenção entende que nenhum canto é em vão: na mata, tanto o Guriatã quanto o Matintaperê têm seu lugar.
👉 Essa fábula traz a mensagem do equilíbrio entre vida e morte, matéria e espírito, luz e sombra — ambos necessários para a harmonia do mundo.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
GURIATÃ E MATINTAPERÊ, O Semeador e o Avisador
( Versão em Cordel )
Na mata verde e sagrada
Brilhou o canto primeiro,
Do Guriatã dourado,
Pequenino e verdadeiro.
Leva a semente na asa,
Fazendo a vida em sua casa,
Semeador do mundo inteiro.
Mas quando a noite chegava
Com o vento a sussurrar,
O Matintaperê cantava
Seu aviso no ar.
Assobio de mistério,
Canto antigo e etéreo,
Que faz a alma escutar.
O pássaro pequenino
Perguntou sem hesitar:
— “Por que teu canto, vizinho,
Só faz o medo brotar?
Minha voz traz esperança,
Mas tua voz sem bonança
Só faz o bicho chorar.”
Respondeu o Avisador:
— “Eu não canto por maldade,
Sou lembrança do temor,
Sou aviso da verdade.
Tua semente é o caminho,
Mas sem o canto mesquinho,
Não há respeito à eternidade.”
Assim na mesma canção
Se uniram noite e dia,
Um levando a renovação,
Outro trazendo a vigia.
Na floresta encantada,
A vida é sempre ensinada
Entre a dor e a alegria.
👉 Esse cordel sintetiza a fábula em versos, para ser contado em roda, cantado ou declamado.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó

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