A Fábula das Aves de Cantos Bonitos
Conta-se que, em um tempo antigo, quando os homens ainda aprendiam a ouvir a voz da mata, os pássaros se reuniram para decidir qual seria o canto que guiaria o coração dos povos.
No alto de uma árvore de copa larga, pousou o Sabiá-laranjeira. Seu peito avermelhado brilhava ao sol, e sua voz ecoou doce e compassada:
— “Sou aquele que reza muito. Trago a melodia da esperança e da primavera. Quando canto, a terra floresce, e os homens se lembram de que o amor renasce a cada amanhecer.”
Os outros pássaros se emocionaram, pois seu canto parecia uma oração.
Logo depois, chegou o pequeno Curió, que se aproximou sem medo.
— “Sou amigo do homem, mensageiro da tradição. Minha voz é memória e sinal da natureza. Nas aldeias, sempre estive perto, lembrando aos povos que o espírito da floresta fala através de mim.”
Seu canto, breve e firme, parecia guardar segredos antigos.
Do outro lado, o Pitiguari interrompeu com sua voz insistente, repetindo como um tambor:
— “Gente-de-fora-vem! Gente-de-fora-vem!”
E completou:
— “Sou o guardião da mata. Aviso perigos, anuncio presenças. Onde estou, ninguém é pego de surpresa. Sou o vigia que não se cansa.”
Os pássaros concordaram que, sem ele, a floresta estaria vulnerável.
Quando o sol já se punha, o Azulão surgiu. Suas penas, da cor do céu profundo, fizeram silêncio entre todos.
— “Trago o vigor e a liberdade. Sou a alegria que voa e canta mesmo na prisão. Minha voz é a força que anuncia um novo começo, como o azul que desponta depois da tempestade.”
Seu canto encheu o ar de energia e esperança.
Por fim, com passos firmes e a cabeça coroada de vermelho, chegou o Cardeal-do-nordeste.
— “Sou a coragem e a bravura. Minha voz é como a de um líder que anima seu povo. Onde minha canção ecoa, o coração do guerreiro desperta.”
E sua melodia, forte e cadenciada, soou como o chamado para a luta e para a vida.
Os pássaros então perceberam que nenhum canto era maior que o outro. Cada voz trazia um dom: oração, memória, aviso, vigor e coragem. E assim decidiram:
— “A floresta será guiada por todos nós. Juntos, nossos cantos serão o coração do mundo.”
Desde então, quando o homem entra na mata e escuta a diversidade dos pássaros, aprende que cada voz carrega um ensinamento — esperança, tradição, vigilância, alegria e coragem.
E quem souber ouvir os cantos da floresta, jamais se perderá no caminho da vida.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
A fábula em Versão de Cordel no formato clássico de sextilhas (estrofes de 6 versos, rimando preferencialmente em ABABCC ou ABABAB, típicas do cordel nordestino).
GÛYRÁ PÛRA PORANG, Aves de canto bonito
Na mata que é encantada,
Reuniu-se a passarada,
Cada ave com sua voz,
Queria ser escolhida,
Pra guiar na própria lida
Os caminhos de todos nós.
O sabiá-laranjeira,
Cantou como uma prece,
Seu canto trouxe esperança,
Na primavera florida,
Recorda a força da vida
Que a natureza enaltece.
O curió pequenino,
Com voz firme anunciou:
“Sou memória e tradição,
Sou amigo verdadeiro,
Carrego no meu canteiro
A lembrança da criação.”
O pitiguari vigia,
Com voz forte a repetir:
“Sou guardião da floresta,
Aviso o povo da aldeia,
Que a mata é sempre cheia
De segredos a ouvir.”
O azulão orgulhoso,
Com vigor se apresentou:
“Mesmo preso eu sou livre,
Canto alto e sem prisão,
Sou símbolo de emoção,
De alegria e de amor.”
O cardeal corajoso,
De vermelho coroado,
Cantou firme como um guia:
“Sou a força e a bravura,
Minha voz é voz segura,
Sou guerreiro consagrado.”
No fim todos entenderam:
Cada um tem seu valor.
Oração, coragem e aviso,
Alegria e tradição,
Se unem numa canção
Que nasce do mesmo amor.
🌿✨ Assim a fábula em sextilhas ganha o ritmo tradicional do cordel nordestino, pronto para ser contado, declamado ou até musicado.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó

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