sexta-feira, 22 de agosto de 2025

KÛARAY-ÛASU REMI'Õ, As Cantoras da Noite







🌿 A Fábula das Aves da Noite


Quando o sol mergulhou no rio vermelho do entardecer, a floresta inteira se cobriu de silêncio. Era a hora em que o manto da Noite (Kûaray-ûasu) descia para abraçar a Terra. Mas o silêncio não durava muito, pois vinham os guardiões que cantavam entre os galhos, abrindo o portal entre mundos.


Primeiro apareceu o Caburé (kaburé), a pequena coruja da mata. Ele pousou na ponta de um tronco e disse:

— Eu sou o vigia humilde. Meus olhos pequenos carregam a luz escondida das estrelas. Sou o primeiro a anunciar que a noite chegou para guardar os homens e os animais.


Do outro lado, o Urutau (uru-taú), a ave do lamento, respondeu com seu canto triste:

— Eu sou a saudade. Minha voz é o choro que lembra aos homens os que já partiram. Mas não trago medo, trago memória. Quem me escuta, lembra dos ancestrais e dos amores que ainda vivem dentro do coração.


Logo o Kurukuku fez ecoar sua cantoria repetida:

— Sou a lembrança da roda do tempo. Repito o som para ensinar que tudo volta, tudo gira, e a noite de hoje já foi vivida pelos antigos.


Então veio o Jacurutu, imponente como sombra grande:

— Eu sou a força. Minha asa cobre o medo. Quem me encontra sabe que a noite também tem guerreiros, e que a coragem não dorme.


Na beira da capoeira, a Suindara, a senhora do grito estridente, abriu as asas brancas como véu de lua:

— Eu sou o aviso. Minha voz rasga o silêncio porque a mudança vem, seja vida, seja morte. Sou ponte entre o que está e o que chega.


Mais adiante, ecoou a voz do Akauã, o grito alto da mata:

— Sou mensageiro. Meu canto atravessa o espaço para avisar que o ciclo da vida nunca termina. Onde há partida, há chegada.


E todas as aves, reunidas sob o céu estrelado, cantaram juntas. O povo da aldeia, ao ouvir, compreendeu:

a Noite não é só escuridão, mas um caminho de vozes que protegem, lembram, ensinam e anunciam.


Assim nasceu o respeito às aves da noite. E até hoje, quando alguém escuta o urutau chorando, a suindara gritando ou o caburé cantando, lembra que não estamos sozinhos na escuridão — pois os guardiões do invisível seguem a nos acompanhar.


🌿 Mensagem da Fábula


A noite não é apenas o medo, mas também memória, aviso, proteção e ligação com o invisível.

As Aves da Noite são guardiãs do trânsito entre mundos, vozes da ancestralidade que ecoam no coração humano.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 




KÛARAY-ÛASU REMI'Õ, As Cantoras da Noite


(Cordel)


Quando o sol vai se deitar

E a mata fica calada,

Surge um manto lá do céu,

Cobrindo a Terra sagrada.

É a Noite que se abre,

Com sua forma encantada.


Na beira da capoeira,

Chega o pequeno Caburé,

Com olhos como estrelas,

Vigia tudo o que é.

Guarda homens e animais,

Sem que ninguém saiba porquê.


No tronco seco da mata,

O Urutau vem lamentar,

Seu canto triste é memória,

É saudade a relembrar.

Dos que partiram da aldeia,

Mas continuam a habitar.


O Kurukuku ressoa,

Com canto sempre a girar,

Repete o tempo da vida,

Que volta sem descansar.

Tudo é roda que ensina

Que o ontem pode voltar.


Grande sombra da floresta,

O Jacurutu se ergueu,

Com sua asa imponente

Mostrou coragem que é seu.

Na escuridão da noite,

O medo logo se perdeu.


A Suindara, altaneira,

De asas brancas, chegou,

Seu grito forte avisa:

Algo novo despertou.

Entre a vida e a partida,

Ela o caminho mostrou.


Por fim cantou o Akauã,

Grito alto, retumbante:

“Eu sou ciclo que não cessa,

Sou a voz do caminhante.

Onde há fim, nasce começo,

No eterno giro constante.”


E juntas as aves cantaram,

Num coro cheio de luz,

Mostrando ao povo da aldeia

Que a Noite também conduz:

É mestra, guia e caminho,

É sombra que sempre seduz.


Por isso quem hoje escuta

Um canto de ave noturna,

Não deve sentir apenas

A presença que importuna.

Mas sim saber que é guardião

Que protege e que alumia.


✨🌿

O cordel ecoa o mesmo sentido da fábula, mas agora com ritmo de cantoria, para ser lido, recitado ou até mesmo cantado como na tradição oral.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





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