Introdução
O estudo das constelações revela a profunda relação entre os povos e o cosmos, tanto no mundo ocidental quanto nas culturas ameríndias. Enquanto a tradição greco-romana consolidou o zodíaco em doze constelações pelas quais o Sol parece atravessar em sua trajetória anual — Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes — os povos Tupi-Guarani estabeleceram suas próprias referências celestes, como Nhandu (Ema), Tapir, Pirá (Peixe), Jaguareté (Onça), Tatu, Yvyrá (Árvore cósmica), Yvytú (Vento), Guará, Araruna, Mbopi (Morcego), Anhangá e Kuruxu (Cruz).
Ambos os sistemas de constelações cumprem funções semelhantes: orientar o tempo agrícola, os ciclos da vida, a caça, a pesca e a espiritualidade. Este artigo busca apresentar, de maneira cronológica, como o zodíaco ocidental pode dialogar com o calendário lunar Tupi-Guarani, mostrando convergências entre cosmovisões aparentemente distintas, mas igualmente ligadas ao ritmo natural.
Desenvolvimento cronológico
A seguir, são descritos os meses do calendário gregoriano, suas luas no sistema Tupi-Guarani, e a conexão com constelações zodiacais e ameríndias.
Janeiro – Jasy Rendy (Lua Brilhante)
Zodíaco: Capricórnio (22 dez – 20 jan).
Ameríndio: Yvyrá (Árvore cósmica), símbolo de renovação do ciclo agrícola.
Significado: Tempo de fertilidade da terra, em que o plantio é preparado. A “árvore cósmica” representa o eixo do mundo, como o Capricórnio simboliza disciplina e renovação.
Fevereiro – Jasy Ñemongarai (Lua da Bênção)
Zodíaco: Aquário (21 jan – 19 fev).
Ameríndio: Yvytú (Vento ou sopros).
Significado: As primeiras brotações pedem proteção espiritual. O vento fertilizador dos Guarani aproxima-se da imagem de Aquário, portador das águas da vida.
Março – Jasy Ka’aguy (Lua da Floresta)
Zodíaco: Peixes (20 fev – 20 mar).
Ameríndio: Mbopi (Morcego).
Significado: Tempo da caça. O morcego, ser noturno da floresta, conecta-se ao signo de Peixes, símbolo de mistério, intuição e profundidade espiritual.
Abril – Jasy Avaxi (Lua do Milho)
Zodíaco: Áries (21 mar – 20 abr).
Ameríndio: Tapir (Anta).
Significado: Lua da colheita inicial, marcada pela força vital. A anta, robusta e persistente, associa-se ao ímpeto de Áries, primeiro signo do zodíaco.
Maio – Jasy Y (Lua das Águas)
Zodíaco: Touro (21 abr – 20 mai).
Ameríndio: Pirá (Peixe).
Significado: Período das chuvas. A fartura dos rios e da pesca conecta-se à força da subsistência taurina, ligada à fertilidade e abundância.
Junho – Jasy Pirá (Lua do Peixe)
Zodíaco: Gêmeos (21 mai – 20 jun).
Ameríndio: Araruna (Arara azul).
Significado: Lua da pesca abundante. A arara, comunicativa e barulhenta, reflete a essência geminiana de sociabilidade e movimento.
Julho – Jasy Jaguareté (Lua da Onça)
Zodíaco: Câncer (21 jun – 21 jul).
Ameríndio: Jaguareté (Onça).
Significado: Lua guerreira. A onça, símbolo de proteção da aldeia, conecta-se ao signo de Câncer, ligado à defesa do lar e da comunidade.
Agosto – Jasy Karai (Lua da Fartura)
Zodíaco: Leão (22 jul – 22 ago).
Ameríndio: Nhandu (Ema).
Significado: Tempo de fartura e celebração. A ema, majestosa e solar, corresponde ao brilho leonino, símbolo de vitalidade e liderança.
Setembro – Jasy Tujá (Lua Ancestral)
Zodíaco: Virgem (23 ago – 22 set).
Ameríndio: Tatu.
Significado: Lua dos ancestrais, quando se recordam os mortos. O tatu, animal subterrâneo, aproxima-se do signo de Virgem, ligado à memória, à terra e à ordem dos ciclos.
Outubro – Jasy Pyahu (Lua da Renovação)
Zodíaco: Libra (23 set – 22 out).
Ameríndio: Guará (Lobo-guará ou raposa).
Significado: A preparação do novo ciclo agrícola associa-se ao Guará, que busca equilíbrio no cerrado, refletindo o espírito de Libra, signo da harmonia.
Novembro – Jasy Porã (Lua Bela)
Zodíaco: Escorpião (23 out – 21 nov).
Ameríndio: Anhangá (Espírito protetor das caças).
Significado: Tempo da juventude e das iniciações. O espírito da caça, ligado ao invisível, corresponde à intensidade escorpiana, que conecta vida e morte.
Dezembro – Jasy Guasu (Lua Grande)
Zodíaco: Sagitário (22 nov – 21 dez).
Ameríndio: Kuruxu (Cruz).
Significado: Lua que encerra o ciclo. A constelação da Cruz (Kuruxu) guia os caminhos e a espiritualidade, como Sagitário aponta para horizontes maiores e transcendentais.
Conclusão
A comparação entre o zodíaco greco-romano e o sistema de constelações Tupi-Guarani revela que ambos expressam um profundo vínculo entre o homem e o cosmos. Enquanto o Ocidente fixou o caminho solar em doze constelações, os povos Guarani associaram as estrelas a animais, espíritos e elementos naturais que sustentam a vida comunitária. Quando articulados ao ciclo lunar indígena, percebe-se que há correspondências simbólicas que aproximam culturas distintas: fertilidade, abundância, caça, renovação e espiritualidade.
Assim, este estudo evidencia que, apesar das diferenças geográficas e culturais, tanto os povos europeus quanto os ameríndios elaboraram mapas do céu que orientam os ciclos da existência humana em harmonia com o universo.
Referências
AZEVEDO, Marta. Calendários indígenas: modos de ver e viver o tempo. São Paulo: USP, 2019.
CLASTRES, Hélène. A Terra sem Mal: o profetismo tupi-guarani. São Paulo: Brasiliense, 1978.
CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
MELLO E SOUZA, Laura de. O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
MONTEIRO, John Manuel. Tupi, Tapuia e história indígena no Brasil. Campinas: Unicamp, 2001.
SILVA, Aracy Lopes da; MACEDO, Ana Vera Lopes da. Enciclopédia da Floresta: o Alto Juruá: práticas e conhecimentos das populações. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
Nenhum comentário:
Postar um comentário