Estrutura Dimensional, Entidades e Objetos de Poder em Perspectiva Comparada
Introdução
O multiverso de Final Fantasy, franquia criada pela Square em 1987, apresenta-se como um cosmos ficcional complexo, constituído por múltiplas dimensões interconectadas, seres transcendentais e objetos de poder. Cada título da série cria um mundo único, mas compartilha símbolos recorrentes como cristais, invocações e divindades, configurando uma mitopoiese contemporânea.
Comparar esse universo com cosmologias do hinduísmo, da mitologia nórdica e de tradições ameríndias permite identificar arquétipos universais que atravessam culturas e tempos, oferecendo insights sobre a construção de mundos ficcionais e a representação de forças cósmicas. O presente artigo propõe-se a descrever a estrutura dimensional do multiverso, suas entidades poderosas, objetos místicos, missões e ambições, além de realizar um quadro comparativo descritivo com as tradições mitológicas citadas.
Estrutura Dimensional do Multiverso
O multiverso de Final Fantasy pode ser conceptualizado em três níveis principais:
Plano Material – Correspondente aos mundos jogáveis, com geografia, cultura e histórias próprias (ex.: Gaia em Final Fantasy IX, Spira em Final Fantasy X).
Plano Espiritual – Morada de entidades transcendentais, como Eidolons, Espers e Primals, conectando mundos por meio de cristais que funcionam como mediadores de energia.
Plano do Caos – Domínio do desequilíbrio e da destruição, representado por vilões que ameaçam romper a ordem cósmica (ex.: Caos em Final Fantasy I, Kefka em Final Fantasy VI, Sephiroth em Final Fantasy VII).
Esses planos coexistem em tensão constante, refletindo o ciclo universal de criação, preservação e destruição. Comparativamente, o Plano Material remete ao Midgard nórdico; o Plano Espiritual guarda semelhança com o samsara hindu e com camadas espirituais ameríndias; e o Plano do Caos assemelha-se a mundos infernais ou de provação presentes em diversas tradições mitológicas.
Seres Poderosos
As entidades que habitam o multiverso podem ser divididas em três categorias:
Divindades Cósmicas – Hydaelyn e Zodiark (Final Fantasy XIV), que mantêm o equilíbrio entre luz e trevas, análogas a Vishnu e Shiva no hinduísmo ou ao Sol e à Lua em tradições ameríndias.
Invocações Elementais – Ifrit, Shiva, Bahamut, Leviatã, que representam forças primordiais da natureza, comparáveis aos deuses védicos ou a espíritos protetores xamânicos.
Vilões Transcendentais – Sephiroth, Ultimecia, Sin; seres que buscam ultrapassar a mortalidade e dominar ou destruir mundos, ecoando Ravana hindu ou Loki nórdico.
Esses arquétipos ilustram como o jogo reelabora símbolos ancestrais em narrativa digital, refletindo questões universais de poder, equilíbrio e transcendência.
Missões e Ambições
As narrativas da franquia estruturam-se em torno de missões épicas, que incluem:
Preservação dos Cristais – Manter a harmonia cósmica, similar à função de objetos sagrados nas mitologias.
Superação da Morte – Vilões que desejam transcender a existência mortal.
Conquista Cósmica – Tentativas de unificar ou dominar múltiplas dimensões.
Restauração da Harmonia – Heróis que enfrentam forças destrutivas para restaurar o equilíbrio.
Essas missões dialogam com paradigmas mitológicos: heróis ameríndios restauram o equilíbrio de mundos, deuses nórdicos tentam retardar o Ragnarök, e a busca pelo moksha hindu reflete a superação dos limites existenciais.
Objetos de Poder
Os objetos místicos possuem papel central no multiverso:
Cristais – Fontes de energia primordial, mediadores entre mundos e elementos.
Espadas Lendárias – Masamune, Excalibur; representam poder e autoridade.
Matérias e Magias – Veículos de energia espiritual, comparáveis ao prana hindu.
Armas Ancestrais – Artefatos de civilizações antigas, com poder de alterar o destino de mundos.
Esses artefatos têm função narrativa e simbólica, refletindo a ambição humana por domínio e transcendência.
Quadro Comparativo Descritivo
A seguir, apresenta-se um quadro descritivo que sintetiza o diálogo entre Final Fantasy e cosmologias reais:
1. Estrutura Dimensional
Final Fantasy: Plano Material, Plano Espiritual, Plano do Caos.
Mitologias: samsara hindu; Yggdrasil nórdico; camadas celestes e subterrâneas ameríndias.
2. Seres Poderosos
Final Fantasy: divindades cósmicas (Hydaelyn, Zodiark), invocações (Ifrit, Shiva, Bahamut), vilões transcendentais (Sephiroth, Ultimecia).
Mitologias: Vishnu e Shiva; Odin e Loki; espíritos xamânicos e heróis ameríndios.
3. Missões e Ambições
Final Fantasy: proteger cristais, restaurar harmonia, conquistar mundos.
Mitologias: Ragnarök nórdico, moksha hindu, jornadas de heróis solares ameríndios.
4. Objetos de Poder
Final Fantasy: cristais, espadas lendárias, matérias/magias, armas ancestrais.
Mitologias: joias de Indra, prana, martelo de Thor, espada Gram, maracá xamânico.
5. Conquista e Dominação
Final Fantasy: vilões buscam unificar ou destruir mundos; heróis preservam pluralidade.
Mitologias: hybris, titãs e deuses, limites cósmicos e espirituais impostos pela tradição.
Conquista, Dominação e Alegorias
No multiverso de Final Fantasy, a busca de vilões pelo domínio total reflete a hybris mitológica, enquanto os heróis encarnam resistência e pluralidade. O ciclo de criação, destruição e restauração espelha paradigmas universais das cosmologias comparadas, revelando a franquia como uma mitopoiese digital contemporânea.
Conclusão
O multiverso de Final Fantasy funciona como uma complexa rede de mundos interligados, onde dimensões, seres e objetos de poder dialogam com mitologias ancestrais. O quadro comparativo evidencia como a série reelabora símbolos universais, transformando-os em narrativas digitais que exploram equilíbrio cósmico, ambição e transcendência. Assim, Final Fantasy constitui uma expressão moderna de tradição oral-escrita, refletindo a construção de mundos e mitos em linguagem contemporânea.
Referências
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STURLUSON, Snorri. Edda em Prosa. Lisboa: Vega, 2008.
DONIGER, Wendy. Hindu Myths. London: Penguin, 2004.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó

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