Introdução
Desde sua criação em 1984, Dragon Ball, de Akira Toriyama, consolidou-se como um dos mais influentes produtos culturais do Japão, alcançando projeção global e impactando gerações de leitores e espectadores. Embora seja comumente identificado como um mangá e anime de ação e aventura, sua narrativa é sustentada por uma mitologia original e uma cosmologia complexa, que integra conceitos do budismo, hinduísmo, taoísmo e tradições narrativas modernas da ficção científica.
O presente artigo tem como objetivo analisar a abrangência e estrutura do universo de Dragon Ball, com destaque para sua mitologia, hierarquia de divindades, vilões, guerreiros poderosos, demônios e a posição da humanidade, enfatizando a Terra como eixo narrativo central. A análise será conduzida a partir de uma perspectiva descritiva e interpretativa, situando a obra no contexto cultural de sua recepção.
1. Cosmologia do Universo de Dragon Ball
A cosmologia da obra apresenta-se em três níveis interconectados:
Mundo Mortal – espaço onde vivem as diversas espécies inteligentes, incluindo os Saiyajins, Namekuseijins, Terráqueos e outras raças. É caracterizado pela pluralidade de planetas e culturas, refletindo uma visão de universo dinâmico e diverso.
Outro Mundo (Jensei) – dimensão espiritual destinada às almas após a morte, contendo o Céu, o Inferno, a Estação de Julgamento de Enma Daioh e os planetas dos Senhores Kaioh. Este espaço ecoa conceitos do pós-vida presentes nas religiões orientais, como a reencarnação e o julgamento espiritual.
Esferas Divinas – domínios habitados pelas divindades supremas, como os Kaiohshins, os Deuses da Destruição e Zeno-Sama. Trata-se da instância máxima da organização cósmica, em que decisões sobre a criação, destruição e manutenção dos universos são tomadas.
Após Dragon Ball Super, estabelece-se canonicamente a existência de 12 universos paralelos, cada qual dotado de deuses, anjos e guerreiros particulares, ampliando a escala da narrativa e reforçando o caráter multiversal da cosmologia.
2. Hierarquia das Divindades
A hierarquia cósmica apresenta funções complementares que asseguram o equilíbrio universal:
Zeno-Sama (Rei de Tudo): entidade suprema, com poder absoluto de apagar realidades inteiras. Representa o princípio de transcendência e instabilidade cósmica.
Grande Sacerdote (Daishinkan): conselheiro e mediador entre Zeno e os universos, assegurando a ordem e a obediência dos deuses.
Deuses da Destruição (Hakaishin): incumbidos de eliminar planetas ou civilizações, impedindo a estagnação do cosmos.
Kaiohshins (Supremos Senhores Kaioh): divindades criadoras, responsáveis por originar novas formas de vida e planetas.
Kaiohs (Senhores Regionais): divindades menores, que supervisionam quadrantes do universo mortal.
Essa estrutura hierárquica retoma elementos do panteão hindu-budista, no qual coexistem forças criadoras (Brahma), preservadoras (Vishnu) e destruidoras (Shiva), reinterpretadas sob um olhar ficcional e pop-cultural.
3. Vilões, Demônios e Forças do Caos
A narrativa de Dragon Ball é marcada pela sucessão de vilões que incorporam ameaças existenciais ao equilíbrio cósmico:
Freeza – imperador galáctico, representação do despotismo e da dominação colonial.
Cell – ser artificial que sintetiza a relação entre ciência e natureza, tematizando os riscos da manipulação genética.
Majin Boo – entidade demoníaca, de essência mágica, símbolo do caos primordial e da destruição irracional.
Zamasu – divindade corrompida, cuja crítica à imperfeição dos mortais conduz ao projeto genocida do "Zero Mortal".
Além desses, há demônios menores oriundos do Inferno e antagonistas oriundos de universos paralelos. Sua função narrativa não se restringe ao combate físico, mas articula reflexões sobre moralidade, justiça e imperfeição da humanidade.
4. Guerreiros Poderosos e o Ideal de Superação
Entre os guerreiros protagonistas, destacam-se:
Son Goku – herói central, cuja trajetória é marcada pela busca incessante de aperfeiçoamento.
Vegeta – príncipe dos Saiyajins, cuja evolução pessoal reflete o conflito entre orgulho, redenção e superação.
Gohan, Trunks e Goten – representantes da nova geração, simbolizando continuidade e potencial humano-saiyajin.
A concepção de poder em Dragon Ball não se restringe à força física, mas ao treinamento, disciplina e busca espiritual, aproximando-se do conceito budista de satori, a iluminação alcançada pela prática e pela superação dos limites.
5. A Humanidade e a Centralidade da Terra
Apesar da vastidão multiversal, a Terra ocupa o núcleo narrativo. Ela é o ponto de encontro de diferentes raças e o espaço onde os grandes conflitos universais se resolvem.
As Esferas do Dragão, artefatos criados por Kami e posteriormente replicados em Namekusei, simbolizam a ponte entre o mundo humano e as esferas divinas, permitindo que desejos transcendam a lógica da finitude.
Os personagens humanos, como Kuririn, Tenshinhan, Yamcha e Bulma, apesar de não rivalizarem em poder com seres cósmicos, são fundamentais para a narrativa. Representam o engenho, a amizade, a coragem e a capacidade de transformar o destino por meio da inteligência e da solidariedade.
Conclusão
O universo de Dragon Ball constitui um mito moderno, que articula tradições míticas orientais com narrativas contemporâneas de ficção científica e aventura. Sua cosmologia multiversal, a hierarquia de divindades, a presença de vilões arquetípicos, a busca incessante por superação e a centralidade da Terra compõem uma estrutura narrativa singular.
Mais do que batalhas épicas, Dragon Ball oferece uma reflexão sobre a condição humana: a fragilidade diante da imensidão cósmica, a busca pela transcendência e a necessidade de equilíbrio entre forças criadoras e destrutivas. Assim, a obra se consolida não apenas como entretenimento, mas como uma narrativa simbólica capaz de dialogar com mitos ancestrais e questionamentos existenciais contemporâneos.
Referências
AZUMA, Hiroki. Otaku: Japan’s Database Animals. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2009.
JAPAN, Toei Animation. Dragon Ball Z. Série de TV. 1989-1996.
JAPAN, Toei Animation. Dragon Ball Super. Série de TV. 2015-2018.
NAPPI, Carla. The Monkey King and the Dragon Ball: Myth, Manga and Modernity. Journal of Asian Studies, v. 62, n. 3, p. 567-595, 2003.
TORIYAMA, Akira. Dragon Ball. Tóquio: Shueisha, 1984.
TORIYAMA, Akira; TOYOTARO. Dragon Ball Super. Tóquio: Shueisha, 2015.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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