segunda-feira, 1 de setembro de 2025

O MUNDO FÁBULAS (FABLES): Estrutura, Personagens e Conexões com a Realidade






Introdução


A série Fables, publicada pela DC Comics/Vertigo a partir de 2002, escrita por Bill Willingham e ilustrada majoritariamente por Mark Buckingham, propõe uma releitura dos contos de fadas clássicos e figuras do folclore universal, transpostos para o mundo moderno. A premissa central apresenta um conflito que obriga as chamadas “Fábulas” a fugirem de suas Terras Natais, após a invasão de um inimigo enigmático conhecido apenas como “O Adversário”, estabelecendo uma comunidade clandestina em Nova York, denominada Cidade das Fábulas (Fabletown). O presente artigo busca analisar a estrutura desse universo narrativo, sua organização política e social, a hierarquia dos personagens centrais e, finalmente, refletir sobre o final da série e suas conexões com a realidade contemporânea.


Estrutura do Mundo Fábulas


As Terras Natais constituem a dimensão original onde coexistem os múltiplos reinos dos contos de fadas, funcionando como territórios autônomos. Esse espaço é descrito como um plano além da existência humana, fragmentado em diversos reinos independentes (monarquias, florestas mágicas, castelos, aldeias encantadas). Durante séculos, tais reinos coexistiram com mínima interação, até a ascensão do Adversário, que unificou vastas regiões pela força. A ausência de resistência coordenada resultou na conquista quase total das Terras Natais, obrigando as Fábulas a buscar exílio no mundo humano.


No exílio, a Cidade das Fábulas, localizada em Nova York, surge como centro político e administrativo da comunidade. Seu governo é composto por:


Rei Cole – autoridade oficial e figura cerimonial.


Branca de Neve – vice-prefeita e verdadeira líder política, responsável pela organização social e pela aplicação das leis.


Lobisomem (Bigby Wolf) – xerife, encarregado da segurança e da investigação de crimes.


Paralelamente, os personagens de aparência não-humana são confinados à Fazenda, um espaço rural isolado, onde a magia e a convivência entre criaturas mágicas é controlada. A decisão de manter segredo sobre a existência das Fábulas impõe o princípio do disfarce: os “mundanos” (seres humanos comuns) não podem ter conhecimento da comunidade fantástica que os cerca.


Hierarquia dos Personagens e Arcos Narrativos


A narrativa de Fables desenvolve-se em arcos distintos, dentro de uma cronologia progressiva.


Primeiros Arcos (2002–2004) – Legends in Exile e Animal Farm:


Estabelecem a organização de Fabletown e o funcionamento político.


Introduzem Branca de Neve, Bigby Wolf, Rose Red, Príncipe Encantado e a rebelião na Fazenda.


Arcos de Expansão (2005–2008) – March of the Wooden Soldiers e Homelands:


Surge a ameaça direta do Adversário.


Revela-se que o Adversário é Gepeto, que utiliza exércitos de bonecos de madeira para subjugar reinos.


Bigby assume papel central como general de guerra.


A Grande Guerra (2009–2010) – War and Pieces:


As Fábulas organizam resistência militar contra Gepeto.


O exílio torna-se campo estratégico de guerra.


Alianças e traições moldam os destinos das personagens.


Arcos Finais (2011–2015) – The Great Fables Crossover até Farewell:


Explora tensões internas entre personagens e gerações.


O desfecho apresenta a rivalidade final entre Branca de Neve e Rose Red, irmãs cuja disputa simboliza a luta entre ordem e caos.


A história encerra com múltiplos finais abertos, preservando o destino das Fábulas em camadas míticas e atemporais.


O Final e Conexões com a Realidade


O encerramento de Fables não apenas conclui a guerra contra o Adversário, mas desloca a narrativa para conflitos internos e ideológicos entre as próprias Fábulas. O confronto entre Branca de Neve e Rose Red sintetiza as tensões entre poder, justiça e rivalidade fraterna, em um espelhamento da condição humana.


A série conecta-se à realidade contemporânea ao representar temas como:


Exílio e diáspora: povos obrigados a abandonar suas terras diante de forças opressoras.


Política e poder: jogos de autoridade e manipulação, refletindo sistemas governamentais humanos.


Memória e anistia: o perdão coletivo na Cidade das Fábulas remete a debates sobre justiça transicional em sociedades pós-conflito.


Identidade e disfarce: a necessidade de ocultar-se dos “mundanos” ecoa discussões sobre imigração, minorias e invisibilidade social.


Conclusão


O universo de Fables apresenta-se como uma construção literária que mescla fantasia e crítica social. Sua estrutura narrativa recria os contos de fadas em um cenário moderno, enfatizando não apenas a luta contra forças externas, mas também as contradições internas da comunidade exilada. O final da série, ao privilegiar disputas morais e políticas entre irmãs, amplia o alcance da obra para além do simples entretenimento, revelando sua capacidade de dialogar com dilemas humanos universais. Dessa forma, Fables permanece como uma narrativa que, embora fictícia, espelha a realidade por meio da linguagem simbólica do mito e da fábula.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:



WILLINGHAM, Bill. Fables. Nova York: Vertigo/DC Comics, 2002–2015.


BUCKINGHAM, Mark; LEIALOHA, Steve; MEDINA, Lan. Fables: Legends in Exile. Nova York: Vertigo/DC Comics, 2002.


KHOURY, George. The Extraordinary Works of Alan Moore. Raleigh: TwoMorrows Publishing, 2003.


SANDERSON, Peter. Comics, Manga, and Graphic Novels: A History of Graphic Narratives. Nova York: Harper, 2012.



Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



Nenhum comentário: