segunda-feira, 1 de setembro de 2025

O MUNDO DE CONAN, O BÁRBARO: A Era Hiboriana e suas Relações com a História Antiga






Introdução


A Era Hiboriana, concebida por Robert E. Howard na década de 1930, constitui um dos cenários mais influentes do gênero espada e feitiçaria. Trata-se de um período fictício, anterior às civilizações conhecidas da Antiguidade, onde reinos, impérios e tribos bárbaras coexistem em um equilíbrio instável de poder, marcado por magia, aventuras épicas e o eterno conflito entre civilização e barbárie. Nesse cenário, Conan, o cimério, simboliza o arquétipo do herói bárbaro que, pela força e astúcia, se impõe diante de magos, monstros e tiranos.


O mundo hiboriano reflete, de forma alegórica, preocupações históricas de Howard, como o declínio das civilizações, o totalitarismo emergente no período entre guerras e a fragilidade da ordem social diante do caos. A análise desse universo fictício, em paralelo com sociedades históricas reais, revela como as narrativas de fantasia podem dialogar com reflexões antropológicas, políticas e filosóficas sobre a condição humana.


Organização e Reinos da Era Hiboriana


A Era Hiboriana apresenta um mosaico de reinos que combinam elementos de culturas históricas reais. Alguns dos principais são:


Ciméria: terra natal de Conan, inspirada nos povos celtas e escoceses, marcada por montanhas sombrias e uma cultura rude, regida pelo deus Crom.


Aquilônia e Nemédia: grandes impérios civilizados, equivalentes ao Império Romano e reinos medievais, símbolos de ordem, mas também de decadência moral e política.


Estígia: reino ao sul, inspirado no Egito faraônico, dominado por cultos sombrios e magos poderosos ligados ao deus-serpente Set.


Hiperbórea, Vanaheim e Asgard: territórios bárbaros ao norte, relacionados às tradições nórdicas e germânicas.


Khitaia: evocação da China antiga, um império misterioso e distante, guardião de segredos orientais.


Esse mapa de culturas mescla realidades históricas com elementos fantásticos, criando um pano de fundo onde as tensões entre civilização e barbárie se desdobram em guerras, conquistas e intrigas.


Magia, Monstros e Religião


Na Era Hiboriana, a magia não é uma arte benevolente, mas uma força sombria, perigosa e frequentemente associada ao mal. Magos negros, feiticeiros e cultos secretos são antagonistas recorrentes, reforçando o contraste entre a astúcia prática de Conan e o misticismo decadente das elites.


A religiosidade se apresenta de forma plural:


Crom, deus dos cimérios, distante e impassível, simboliza a brutalidade da natureza.


Set, a serpente, domina os cultos da Estígia, representando corrupção e poder obscuro.


Diversos outros deuses locais, ligados a tribos e reinos, ilustram a diversidade espiritual do mundo hiboriano.


Esse conjunto reforça o ambiente de horror cósmico, influenciado também pela amizade de Howard com H. P. Lovecraft, inserindo elementos de deuses antigos e forças inomináveis.


O Mundo Selvagem e a Lógica da Sobrevivência


O universo de Conan é um espaço onde a sobrevivência depende da força física, da coragem e da inteligência prática. Florestas, desertos, mares e cidades decadentes compõem o palco das aventuras, reforçando a ideia de que a natureza e a barbárie estão sempre em confronto com a ordem civilizatória.


Nesse sentido, o herói não se guia por ideais abstratos, mas por recompensas concretas: ouro, joias, fama e prazer. Esse ethos contrasta com a moralidade rígida das sociedades antigas, onde status e admiração estavam ligados ao poder militar, à linhagem ou ao domínio da lei.


Reflexões Comparativas com a História Real


Embora fictícia, a Era Hiboriana dialoga com períodos históricos antigos. Nos impérios da Antiguidade, como o Egito, Roma ou Mesopotâmia, a rigidez das leis e a centralização do poder garantiam ordem, mas frequentemente à custa de opressão. A força militar e a violência eram sinônimos de status, refletindo a lógica de que “ser forte era ser admirado”.


Com o passar dos séculos, a humanidade foi elaborando sistemas de governo mais flexíveis, como democracias, repúblicas e modelos constitucionais. Esses avanços não eliminaram os conflitos, mas revelam uma busca constante por equilíbrio entre autoridade e liberdade — um tema implícito nas narrativas de Conan, onde a corrupção dos impérios civilizados sugere os riscos da tirania, enquanto a barbárie simboliza a liberdade, ainda que brutal.


Conclusão


O mundo de Conan, o Bárbaro, é mais do que um cenário de fantasia. Ele constitui uma metáfora épica sobre a condição humana, contrapondo civilização e barbárie como forças complementares da história. A Era Hiboriana, com sua mistura de culturas fictícias e reais, espelha os dilemas da sociedade do início do século XX e permanece relevante por dialogar com questões universais: a decadência do poder, os perigos da tirania, a força da natureza e a luta pela sobrevivência.


Ao mesmo tempo, permite ao leitor refletir sobre a trajetória da humanidade, que, a partir de experiências passadas, buscou construir sistemas políticos mais equilibrados e inclusivos. Assim, Howard não apenas criou um universo de aventuras, mas também um espaço simbólico para pensar os ciclos da civilização.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:



HOWARD, Robert E. The Coming of Conan the Cimmerian. New York: Del Rey, 2003.


HOWARD, Robert E. Conan: The Barbarian Stories. London: Gollancz, 2011.


JONES, Stephen. The Conan Chronicles. London: Gollancz, 2006.


SCHWARTZ, Jeffrey. Barbarians and Civilization: The Hyborian Age as Allegory. Journal of Fantasy Studies, v. 12, n. 3, p. 45-62, 2009.


SPARK, Mark. Robert E. Howard and the Birth of Sword and Sorcery. Austin: University of Texas Press, 2015.




Autor: Nhenety Kariri-Xocó 





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