A interação dos portugueses com os indígenas Kariri e a palavra BA 'carro'
O período colonial foi um gigantesco período de interação cultural entre dois mundos distintos: o Velho Mundo e o Novo Mundo, essa interação por consequência trouxe inúmeras novas coisas para o continente americano, sejam elas boas ou ruins, foquemos nos novos conceitos que foram trazidos pelos colonizadores.
Sabe-se que no período em que os catecismos, vocabulários, dicionários e gramáticas foram produzidos para aprender as línguas destes habitantes desta terra, anos já haviam se passado e muitos aspectos culturais dos portugueses haviam sido passados para os indígenas, temos evidências disso nos vocabulários anotados pelos cristãos, como no caso do Kipeá de Mamiani:
Algumas mais diretas
CABARÙ = cavalo = Empréstimo do português cavalo através do Tupi Antigo cabarú
CABARÀ = cabra = Empréstimo do português cabra através do Tupi Antigo cabará
CRUSÀ = cruz = Empréstimo do português cruz através do Tupi Antigo curussá com nativização de kVr > kr (curu > cru)
Alguns menos diretos e hipotéticos
CUROTÈ = colher (substantivo) = corrupção de colher (?)
MERATÀ = metal = corrupção de metal (?) (metal > metar > metara > merata ( metátese ??))
CURAEMPA = molhar-se a roupa = CU 'verbo nativo que significa molhar ?' + RAEMPA 'nativização da palavra portuguesa roupa com nasalização ?'
BARA = balaio = nativização da palavra balaio ?
O mais importante dessa interação foi sem dúvidas a fusão de certos conceitos, demonstrando uma possível substituição de significados originais por novos baseados nos objetos que foram introduzidos para eles, dois exemplos bastante claros disto são CRAE "alfanje" e BA "carro". Comecemos por CRAE já que este não o foco deste texto e também é o mais fácil de se responder:
CRAE significa "borduna", uma espécie de porrete indígena que variava de formato entre cada nação, Nantes e Mamiani adotaram essa palavra e usaram ela para traduzir conceitos do Velho Mundo, como "sabre", "espada" ou "alfanje", já que era o objeto mais próximo na realidade dos indígenas.
Com esse problema concluído, temos outro problema mais difícil de decifrar, a palavra BA "carro", essa palavra é um gigantesco mistério, temos que levar em consideração algumas coisas:
1º) Essa palavra NÃO está falando de carro no sentido moderno, tudo isso foi anotado no século 16 para o século 17, então "carro" aqui se refere a um objeto completamente diferente, seria o que chamamos hoje de carruagem ou uma carroça (o mais provável é carroça), portanto a palavra é nativa, mas o significado não é.
2º) As civilizações americanas desenvolveram rodas (não sei dizer se as do leste americano ou brasílica fizeram isso em algum momento), mas devido a ausência de animais de grande porte para carregar grandes quantidades de objetos, elas nunca foram utilizadas do mesmo modo que foram no Velho Mundo, onde tinha a presença do cavalo, portanto é mais um argumento para o fato de que esse significado não é nativo e sim uma adoção feita após interagirem com os colonizadores.
Portanto de onde vem essa palavra ? Meu problema com essa palavra é que não sei seu significado original, e como não gosto da ideia de perder uma palavra completamente sem saber o que ela realmente queria dizer, decidi buscar nos vocabulários e dicionários que possuo, cheguei à três conclusões:
1ª) A palavra deriva de um verbo com o significado de "carregar" e seria um cognato distante do Proto-Macro-Jê *mbyt "pegar, carregar".
2ª) A palavra deriva de um verbo com o significado de "rodar, rolar" de origem obscura (substrato ?) ou cognato distante do Hup pəpəd "rolar".
3ª) Reaproveitamento de alguma palavra com o significado de "barco" ou "canoa", seguindo este modelo:
"barco" ou "canoa" > "veículo (carroças, navios, barcos, canoas)" > "carro"
Esta lista está em ordem da mais provável para a menos provável, o que se pode concluir com total conhecimento é de que houve um reaproveitamento de um conceito ou verbo nativo do Kariri para se referir a um objeto do Velho Mundo.
Autor da matéria: Ari Loussant
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