Primeiro irei explicar um pouco do método utilizado para alcançar todos estes detalhes e o propósito deste estudo, nos últimos meses eu divergi de minha pesquisa direta das línguas Kariri para um grupo de línguas que muitos considerariam desligados dos estudos principais que iniciei em 2022, estas línguas são o trio nomeados individualmente de Xocó, Natú e Wakonã, o estudo começou após a publicação do professor Valdivino Neto de vocabulários compilados de línguas de vários grupos, com foco na classificação da língua Xocó, este estudo alavancou meu interesse nos estudos de todas as línguas do Nordeste, para descobrir suas origens e possivelmente ajudá-las nos seus processos de revitalização.
Comecei com aqueles mais acessiveis, que estavam na compilação feita pelo prof. Neto, a comparação encetou com o que restou do Natú e do Xocó, depois parti para a comparação externa, onde procurei relacionar os vocábulos restantes a outros grupos presentes no leste sul-americano, com o passar dos meses fui encontrando mais evidências que construíam uma história, a história da origem dos Kariri que conhecemos. Muitos linguístas desde o século XIX e XX comparam o Kariri com outras famílias, começando com o Tupi e partindo para o Macro-Jê, tais propostas carecem de argumentos convicentes para classificar o Kariri de tal forma.
No entanto devo dizer que aqueles que propõem uma relação do Kariri com o Macro-Jê foram bastante atentos, pois perceberam algo no léxico e estrutura silábica do Kariri que os fizeram suspeitar de uma possível relação, no entanto, estudos mais minuciosos sobre a gramática Kariri nos dá indícios de que sua relação, assim como Goeje hipotetizou em sua publicação de 1932, estaria mais aproximada da família Caribe. Mas de onde viria então os vocábulos que claramente tem estrutura Macro-Jê ? É a partir daí que o estudos que fiz junto com Nhenety neste segundo semestre de 2023 que cheguei a algumas conclusões, o Xocó, Natú e Wakonã não eram apenas línguas menores que estavam próximos dos Kariri por mero acaso, e sim membros de um grupo linguístico que formou as línguas Kariri como as conhecemos, a partir desta publicação, cujo não irei abreviar nos detalhes que pude encontrar até o presente momento, busco argumentar sobre a relação direta do grupo linguístico Kariri com os grupos Akuwẽ e Terejê (endônimo que surge tanto no vocabulário de Antunes de 1973 como ateregin e no nome preservado pelo pajé Suira do povo Kariri-Xocó que é mõtêrêgê).
VOGAIS
As vogais do Terejê parecem se assemelhar diretamente ao que vemos no leste sul-americano:
Inventário vocálico
Abertas: a
Quase abertas: æ¹
Semiabertas: ɛ, ɔ
Centrais: ə
Semifechadas: e, o
Quase fechadas: ɪ¹
Fechadas: i, ɨ², u
¹ A presença dessas vogais será discutido em 1.1.2 Alçamento vocálico
² talvez esteja representado em grïgo 'mandioca' do Xocó
As vogais aqui descritas são aquelas que foram registradas nos vocabulários restantes do Xocó, Natú e Wakonã, usarei na maioria das vezes exemplificações entre o Kariri e as línguas Akuwẽ, mas esclareço aqui que o propósito deste texto é indicar que o Terejê foi quem entregou estas palavras para o Kariri e não o grupo Akuwẽ:
Abertas /a/
A origem dessa vogal parece ser de múltiplos fontes, algumas palavras do Kariri possuem cognatos no Akuwẽ que correspondem com a mesma vogal:
Kipeá: tá 'pegar' vs Xavante: ta 'pegar, colher, tirar'
Kipeá: tçahó 'estrepar-se' vs Xerente: kahâzu 'flechar, furar' (*k > *kʲ > ts)
Em outros casos, a vogal /a/ parece tornar-se /æ/:
Kipeá: pæwi 'cachimbo' vs Xerente: pawi 'cachimbo'
Havendo também um único exemplo até agora encontrado que talvez indique uma mudança de /a/ para /e/, existindo a possibilidade no entanto de ser /a/ > /ə/
Dzubukuá: be 'colher' vs Xavante: ba 'pegar, retirar, cortar, diminuir'
Alçamento vocálico
A vogal /a/ também parece ter passado por uma mudança sonora em algum momento anterior ao registro das línguas Kariri, tal mudança pode talvez ser vista nestes exemplares:
Kipeá: tinghi⁴ 'canafrecha (Gynerium sagittatum)' vs Xocó kassa-tinga⁴ 'jenipapo'
Kipeá: amí 'comida, fome', Dzubukuá: ammi 'comida, fome' vs Xerente: mrã⁵ 'fome'
Como é possível notar, o Xocó parece ter preservado em uma instância o som do /a/, enquanto a língua que emprestou o cognato do Xocó para o Kipeá transformou o /a/ em /i/, note também que a mudança acontece enquanto a vogal aqui discutida não participa da sílaba tônica, existindo portanto a possibilidade de que o /a/ átono fosse mais aproximado de /ə/ e com o tempo fosse alçado para /ɪ/, discuti em algumas publicações anteriores sobre o Natú e que esta língua transformava seus /a/ em /e/, o que pode indicar que o processo aqui descrito seja uma continuação do falar dos indígenas da Natuba ou um dialeto aproximado.
⁴ A tradução da planta canafrecha para Tupi é ubá, que significa 'fruta', também adiciono um argumento usando kassa-tinga, a partir do cognato de kassa encontrado tanto no Kandoxi kaʃa 'azedo' quanto na família Pano kaʧa 'chicha/azedo', foi possível comparar e decifrar o significado deste composto como 'azedo-fruta' ou 'fruta azeda', fazendo com que tinga e tinghi sejam traduzidos como 'fruta, fruto'
⁵ A evolução de mr > m será explicada nos próximos pontos
Quase abertas /æ/
A presença dessa vogal parece ocorrer especialmente, mas não unicamente, quando a vogal /i/ está presente em uma sílaba próxima:
Kipeá: pæwi 'cachimbo' vs Xerente: pawi 'cachimbo'
Kipeá: bæiwi vs Dzubukuá: bewi
Kipeá: cribæ vs Dzubukuá: (sem equivalente direto no Dzubukuá mas bæ equivale a bœ como em lobœ 'todos')
Kipeá: nhicræ vs Dzubukuá unhiclè (Dz.: è = /æ/ ?)
Ao que parece, /æ/ talvez seja um dos alofones de /ə/ e como dito, /æ/ também surge sem depender do /i/ em algumas palavras, como cræ 'alfange', -bæ 'e, também' e ærã 'folha'. Existe um caso onde o morfema -bæ 'sufixo que dá nome para lugares' corresponde a um /a/ átono do Terejê:
Kipeá/Natú: Natu-ba 'lugar do povo Natú' vs Kipeá: nem-bæ 'mudar-se de lugar'
Semiabertas /ɛ/ /ɔ/
O registro dessas duas vogais é difícil de se distinguir do registro das vogais /e/ e /o/, isso se deve pelo fato de as acentuações tanto de Mamiani quanto de Nantes são inconsistentes, mesmo com as regras ditadas pelo primeiro autor em sua gramática, Martius em seu registro do Kamurú e Sapuyá faz distinção clara entre e /e/ e o ä ou ae /ɛ/, mesmo com a escassez, é possível inferir que as línguas Kariri faziam distinção variada entre as vogais semifechadas e semiabertas:
Dzubukuá: alidze 'doença', Kipeá: ridzã 'doença' vs Xavante: abdzé 'doença, epidemia'
De acordo com Mamiani, a palavra 'mãe' deve ser anotada sem o acento na vogal, o que indica nas regras ortográficas deste autor que a pronúncia se aproximava de /ə/, juntando isso com o registro da palavra 'doença' tanto no Kariri quanto no Xavante indica que /ɛ/ servia de alofone da vogal central média.
A vogal /ɔ/ talvez também fosse um dos resultados alofônicos do schwa, havendo variação livre entre os dois, visto possivelmente nos seguintes exemplos:
Kipeá: tçõ-hó 'homem, pessoa, gente', Dzubukuá dseho 'homem, pessoa, gente' vs Xokó: se-ókó 'filho, descendente'
Kipeá: mó 'em, no, na, para', Dzubukuá: mo 'em, no, na, para' vs Xerente: mã 'para'
Argumento que tçõ e dse sejam cognatos de kó 'filho, filha' tanto aqui, quanto na publicação que trabalhei em conjunto com Adriana Korã do povo Kariri-Sapuyá, mais detalhes estarão naquela tese que virá em breve.
1.4 Semifechadas /e/, /o/
Novamente o problema aqui é a inconsistência da anotação da pronúncia real das vogais, além das explicações arcaicas que não facilitam a compreensão, existe também a possibilidade das semifechadas e semiabertas transitarem livremente entre si, assim explicando a anotação feita por ambos os autores dos catecismos Kariri:
Dzubukuá wlequidi 'perguntar', Kipeá erekidí 'perguntar' vs Wakonã: bêlê 'falar, dizer', Xocó avêl'a 'língua'
A palavra wlequidi é escrita aqui assim ao invés da forma feita pelo autor pois argumento que wle e ere ambos sejam um empréstimo de um antigo /weːre/ 'dizer' do Terejê fundida com a palavra kede/kide 'talvez' que formam as perguntas de ambas as línguas. Anoto também que existe a variação do /e/ com o /a/, Lucien Adam demonstra isso em sua gramática comparativa e Mamiani também deixa claro que existem dialetos que variam em sua pronúncia das vogais /a/, /e/ e /æ/.
Quase fechadas /ɪ/
Assim como a vogal anterior, /ɪ/ talvez fosse um alofone resultado do alçamento da vogal /a/ em posição átona:
Kipeá: tinghi 'canafrecha (Gynerium sagittatum)' vs Xocó: tinga 'fruta'
Também surge como alofone da vogal /i/ e da semivogal /j/ quando esta é a coda da sílaba:
Wakonã: hái 'bom' vs Wakonã háê 'bom' < /haɪ̯/
Natú: ati-sêrê 'terra-sepultar' vs Xocó: âtsι-hi 'terra-colocar' < /'aːt͡sɪhi/
Xavante: mĩ 'madeira' vs Dzubukuá: hem 'madeira', Kipeá: hẽ 'madeira' talvez /hĩ/ > /hɪ̃/ ~ /hẽ/
Fechadas /i/, /ɨ/, /u/
É possível ver uma variação causada por abaixamento vocálico entre /ĩ/, /ɪ̃/ e /ẽ/:
Xavante: mĩ 'madeira' vs Dzubukuá: hem 'madeira', Kipeá: hẽ 'madeira' talvez /hĩ/ > /hɪ̃/ ~ /hẽ/
O exemplo mais divergente parece ser a palavra para 'carne':
Wakonã: beniã, benhã 'carne' < nhã talvez cognato do PCerr.: ñĩ 'carne'
Caso a segunda sílaba seja descendente direta da palavra do Proto-Cerratense, então podemos observar que houve em algum momento nas línguas Terejê o abaixamento vocálico de /ĩ/ > /ã/.
A vogal /ɨ/ é de difícil localização, devido à escassez de exemplares do próprio Terejê e da falta de conhecimento e distinção dos vocábulos que os tem no Kariri, isto é, ainda não é fácil dizer se algumas dessas palavras que tinham essa vogal eram do Terejê ou do próprio Kariri, o único suspeito até o presente momento é o seguinte:
Xavante: mrami 'pegar, cativar', Xerente: mrãmĩ 'pegar, agarrar, apanhar' vs Kipeá: mŷ 'tomar, levar, ser levado', Dzubukuá: mui 'receber'
A vogal /u/ parece ter transitado diretamente do Proto-Cerratense /u/ em alguns casos:
Proto-Macro-Jê *cuñ 'sol' > Proto-Cerratense ? > Xocó: kra-shuto, Natú: kra-shulo
No entanto em outro caso, a vogal /u/ vista em uma das reconstruções do Proto-Cerrantese corresponde ao /i/ Terejê:
Proto-Cerratense *kucym 'fogo' > Natú: sha-kishá
Isto talvez indique que as vogais /u/, /ɨ/ e /i/ em alguns casos variavam livremente, talvez por conta de uma transformação do /u/ original em /ɨ/.
CONSOANTES
As consoantes do Terejê parecem ter se estabilizado em um sistema majoritariamente CV, com algumas excessões com CVC perceptíveis dependendo da língua/dialeto (o único demonstrável até o momento é o Natú) e outras com CrV com o mesmo padrão do Macro-Jê, que seria a permissibilidade das oclusivas k, p, g e b com a rótica, mas não as oclusivas t e d, também parece que o encontro entre a nasal bilabial com a rótica /mɾ/ perdeu a rótica e se tornou apenas /m/, reduzindo o total de encontros consonantais permitidos na língua, tais resultados são visíveis apenas através do registro das línguas Kipeá e Dzubukuá nos dois catecismos e na gramática e dos curtos vocabulários do Xocó, Natú, Wakonã, Katembri, Sapuyá e Kamurú.
Inventário consonantal
Nasais: m, n, ng
Oclusivas: p, b, t, d, c, ɟ(?), k, g, ʔ
Fricativas: f, v, s, z, h
Aproximantes: w, j
Africadas: ts, dz,
Vibrante simples: ɾ
Lateral: l, ʎ
Nasais /m/, /n/
As nasais do Terejê parecem derivar diretamente das sílabas em ambientes nasais:
Xerente: nã 'recomendar' vs Dzubukuá: nheneti 'aconselhar' (necessário averiguar se são cognatos)
Xavante: mara 'noite', Xerente mãra 'noite' vs Kipeá e Dzubukuá: mera-ta 'ferro'
Xerente: mrã 'mata, floresta', Xavante: mara 'floresta' vs Wakonã: malham-bá / malhem-bá / mara-bá 'roça'
A nasal /m/ também parece resurgir tanto de ambientes nasais quanto do encontro consonantal /mɾ/:
Kariri-Xocó: mõ-teregê 'endônimo antigo' vs Proto-Cerratense: mõ 'ir.PL'
Kipeá: amí 'comida, fome', Dzubukuá: ammi 'comida, fome' vs Xerente: mrã⁵ 'fome' (*a > *æ > *ɪ > i)
Kipeá: mé 'dizer, falar', Dzubukuá: me 'dizer, falar' vs Xerente: mrẽ 'dizer, falar', Xavante: mre 'falar, dizer'
Oclusivas: /b/, /d/, /g/, /ɟ/ /p/, /t/, /k/, /c/, /ʔ/
Começando com o /b/, este parece surgir dos *mb do Proto-Cerratense e de vozeamentos de antigos *p:
Kipeá: ki-bu 'osso da garganta' vs Xerente: bdu, Xavante: budu < PCerr.: *mbut
Kipeá: bæ 'todos', Dzubukuá: bœ 'todos' vs Xerente: pâ, bâ 'todos', Xavante: bö 'todos'
Alguns /b/ também parecem ter se originado de */w/ do Proto-Cerratense, variando entre /b/ e /v/:
Wakonã: bêlêtsiê 'dizer, falar', Xocó: avêl'a 'língua' vs Proto-Cerratense: *wẽ 'dizer, mostrar'
Nem todos os /b/ vozeavam, por isso é possível ainda ver exemplos como:
Kipeá: pæwi 'cachimbo' vs Xerente: pawi 'cachimbo'
Kipeá: pá 'ser morto' vs Xerente: pã 'assassinar'
Em casos como este, é possível que as palavras tenham sido emprestadas em um período onde o vozeamento havia deixado de ser produtivo, isto é perceptível no Kipeá a partir dos empréstimos do Tupi e do Maxakalí, que entraram sem serem alterados, ainda é difícil dizer se esse processo de vozeamento foi causado diretamente pela interação com os Terejê ou se foi uma evolução que veio após isso que afetou ambos os grupos.
/d/ surge nas seguintes palavras que podemos confirmar serem totalmente derivadas do grupo Terejê:
Xocó: simido 'Porto Real do Colégio'
Kipeá: mandi 'pesado', Dzubukuá: maddhy 'pesado'
Em minha publicação no blog http://kxnhenety.blogspot.com no mês de Dezembro de 2023, expliquei a etimologia da palavra roça do Wakonã, lá é possível ver que o som de ỹ resulta em a /ə/ no Wakonã, aqui vemos a mesma coisa, o cognato direto de mandi/maddhy é o pytĩ 'pesado' do Jê Setentrional, também é interessante ver que a oclusiva bilabial surda /p/ tornou-se /m/ nessa palavra, a implicação talvez seja de que a palavra passou por um estágio de nasalização: *pytĩ > *pỹtĩ > *mỹtĩ > *mə̃tĩ > *məti > *mədi. A sílaba do de simido talvez seja cognata distante do Proto-Nadahup *top 'casa' e do Proto-Tupi *tˀap 'teto', o que indicaria novamente uma mudança de um */t/ > /d/.
/g/ parece ter origem em /k/ vozeados em onset:
Wakonã: gulijó 'bebida de mandioca', Xocó: grïgo 'mandioca', Natú: grogo 'mandioca' vs Xerente: ku-pa
Natú: gôzê 'jacaré' vs Xerente: kuihâ
Discutirei sobre /ɟ/ e /c/ juntos, pois estes são raros, mas participam de um processo relativamente previsível de palatalização das oclusivas velares, tal é visto tanto no Xocó:
Xocó: câki' 'galinha'
Quanto no Kariri como um todo, que passou por um processo enorme de palatalização do /k/, transformando-o em /t͡s/
Kipeá: tçahó 'estrepar-se' vs Xerente: kahâzu 'flechar, furar' (*k > *kʲ > ts)
Kipeá: tçõ-hó 'homem, pessoa, gente', Dzubukuá dseho 'homem, pessoa, gente' vs Xokó: se-ókó 'filho, descendente'
/ɟ/ só surge no Kipeá, mas está escondido devido ao processo de fortição que os transforma em /d/ exceto perante a vogal /i/, sua origem talvez retorne à antigos /j/ e /g/ e até mesmo vozeamentos de /c/ talvez este fonema transite livremente com /d͡z/, mas ainda é necessário averiguar melhor.
/t/ parece ter sido herdado em sua forma original sem fator óbvio de se perceber, a vogal /a/ não parece afetar no vozeamento:
Kipeá: tá 'pegar' vs Xavante ta 'pegar, colher'
Kipeá: tú 'grosso' vs Xavante: dupu 'inchaço'
a oclusiva glotal /ʔ/ surge em duas posições, medial e final:
Xocó: sehoɪdzɛʔa 'chuva'
Xocó: caːkiʔ 'galinha'
Minha hipótese sobre o /ʔ/ de 'chuva' é de que esse fonema seja alofone de /k/ em variação livre, e que 'a /ʔa/ seja o mesmo que ká da palavra para água do Katuandí, em posição de coda, talvez fosse algo relacionado ao sotaque dos falantes ou um resquício da sílaba ki' que talvez seja cognata de tsi/si 'pássaro' do Xavante e Xerente. É possível que os falantes de Terejê que acompanharam os Kamurús e Sapuyá tenham adquirido esta alofonia na sua fala também visto os seguintes exemplos:
Kamurú: klöh 'homem, pessoa, gente' vs Sapuyá: glöh ou 'löh 'homem, pessoa, gente'
Fricativas /f/, /v/, /s/, /z/, /h/
/f/ é um som raro, surgindo em pouquíssimos exemplos:
Xocó: kinefá
Xocó: bréfélia
/v/ no entanto parece surgir em variação dialetal com /b/, talvez surgindo de antigos /w/ e /b/ herdados de /ᵐb/:
Xocó: avêl'a 'língua' vs Wakonã: bêlêtsiê 'dizer, falar' < Proto-Cerratense: *wẽ 'dizer, mostrar'
Xocó: vêsire 'pé' < Proto-Cerratense: *wa 'andar'
Wakonã: vê 'dia' < Proto-Cerratense: *mbyt 'sol'
A fricativa /s/ invariavelmente surge de antigos /j/:
Xocó: sa em saboer 'ovelha', Natú: sê/zê em sêprun 'ovelha' e gôzê 'jacaré' vs Proto-Cerratense: *jo 'animal' (?)
Xocó: tul'uso 'dente' vs Kipeá: sõ 'morder', Dzubukuá dhe 'morder'
Ela também varia com /z/, cujo também se origina diretamente antigos /j/ ou de vozeamentos de /s/, também existindo a possibilidade de /z/ se alofone de /dz/
/h/ talvez tenha derivado de antigos /k/ do Proto-Cerratense, assim como no Proto-Akuwẽ:
Xocó: hoɪ 'testa, topo, cima, céu' de sehoɪdzɛʔa 'chuva' vs Proto-Akuwẽ: *kuj-həj // *kuj-hə 'testa' < Proto-Cerratense: *kôj/kyj 'testa'
Aproximantes: /w/, /j/
No caso do /j/, não existem muitos exemplos bem preservados, podemos inferir que estes tenha se conservado como alofone de antigos /j/, enquanto em outras posições ele se tornava /s/, /z/, /ts/, /dz/ e etc:
Wakonã: bêrêió 'obrigado'
Kipeá: yó 'muito', Dzubukuá: ye 'muito' (precisa ser averiguado)
/w/ talvez tenha passado pela mesma situação e se preservado em alguns casos como alofone, enquanto em outros transformava-se em /b/ ou /v/ como discutido anteriomente, talvez ambos os sons variassem dialetalmente.
Africadas: /ts/ /dz/
Assim como discutido acima, /ts/ e /dz/ parecem ter origem em antigos /j/, são pouquíssimo exemplares que ainda não tracei de volta diretamente para alguma palavra:
Wakonã: putsá ~ putsí 'ruim, mal'
Xocó: dzɛ de sehoɪdzɛʔa 'chuva' vs Dzubukuá tidze 'chover', dzo 'chuva', Kipeá: dzó 'chuva', tidzó 'chover'
Também parece que no Xocó, os /t/ estavam transitando para /ts/ perante a vogal /i/ ou /ɪ/:
Natú: atisêrê 'terra' vs Xocó: atsɪhi 'terra'
Vibrante simples /ɾ/ e Laterais /l/, /ʎ/
A vibrante simples /ɾ/ foi herdada diretamente do Proto-Cerratense /ɾ/, tal pode ser visto no seguinte exemplo:
Natú: sêrê de ati-sêrê 'terra-sepultar' vs Xerente: sẽrẽ 'sepultar'
Os sons de /l/ e /ʎ/ talvez sejam alofones do antigo /ɾ/:
Xocó: avêl'a 'língua' vs Wakonã: bêlêtsiê 'dizer, falar'
Wakonã: malhambá, malhembá, marabá 'roça'
Autor da matéria: Suã Ari Llusan
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