Uso aqui o mesmo termo que Mamiani usou em sua gramática da língua Kipeá para descrever os três verbos implícitos daquela língua Kariri: sum. No latim, este verbo tem função identica aos verbos do português: ser, estar e haver, verbos estes nunca marcados diretamente em uma frase Kariri, tal uso é idêntico no Peagaxinã, é possível ver que tal estrutura está bem atestada tanto no Akuwẽ e no Kipeá, a língua Kariri que foi influenciada pelo Natú.
VERBO TER/HAVER
Digo isso por que o Kipeá como língua Kariri parece ter tido o verbo 'haver' em seu vocabulário (WÀ), mas nunca o usou para marcar posse, eu discuti sobre isso em outra publicação que fiz sobre a posse no Kariri e a influência dos Jê do Cerrado sobre essa família: https://kxnhenety.blogspot.com/2023/11/influencia-dos-je-do-cerrado-no-kariri.html
Com isso, pode-se inferir que o Terejê não diferia da marcação típicamente vista no Macro-Jê e que foi adotada pelo Kariri, onde o verbo 'ter, possuir' não existe diretamente e o possessivo é marcado de forma direcional, isto é, o objeto possuido é direcionado por adposições para seu possuidor, ao invés de 'eu tenho uma casa', diz-se 'existe uma casa para mim', o Peagaxinã não se difere, usando da posposição locativa-dativa mó, conjugada pela série acusativa:
1) krì a-mó = 'casa para mim' > 'eu tenho uma casa'
2) numentia o-mó bó ? = 'irmão para ti talvez ?' > 'tu tem um irmão ?'
3) marankañìkêkó mañazikîô iro i-mó = 'quarenta e seis anos para ele(a)' > 'ele(a) tem quarenta e seis anos de idade'
4) ñakraza wakañì a-mó, mó-pa ihônan ? = 'chaves duas para mim, onde outras ?' = 'tenho duas chaves comigo, cadê as outras ?'
Estes são alguns exemplos da posse, agora passando para o verbo SER.
VERBO SER
O verbo SER na maioria das línguas indígenas do Brasil são marcados de forma inexpressa, ou seja, implicados na construção frasal, se eu digo 'João bonito', entende-se que eu disse 'João É bonito', 'Maria alta' = 'Maria é alta' e assim por diante. As frases encontradas no Wakonã, língua aparentada do Natú, não se acha qualquer forma de marcação do verbo ser, também não existem evidências de um verbo ser separado, mas existe o sufixo predicativo que logo irei falar sobre.
Dando continuidade ao verbo em sim, como dito nunca é expresso diretamente na frase, portanto se diz:
1) Menso kanikó Karlus mi-do tanshino = 'O padre Carlos é recém-chegado'
2) Nó maradó mi-do Agalenda we = 'Amanhã é dia de Agálenda (dança do mutum)'
3) Mi-do-shi yane, o-krada a-wê ? = 'foi assim, entedeu o que eu disse/mostrei ?'
Apesar de mi-do aparecer na posição esperada do verbo SER, ele na verdade está marcando o Tempo da frase. Mi- é a terceira pessoa 'ele, ela' e -do é o tempo realis, que marca o presente e o passado perfeito dependendo de adposições que indicam qual é qual. Isso é demonstrável no terceiro exemplo, que diz mi-do-shi, marcando a terceira pessoa, o realis e o shi, que significa 'velho', marca o passado perfeito, portanto mi-do-shi = 'ele(a) quem no passado' e depois disso o verbo surge marcando a ação.
VERBO ESTAR
Muitas línguas do mundo não diferem o conceito de SER e ESTAR, o inglês é um exemplo disso, usa-se o verbo BE tanto para dizer algo como i am happy 'estou feliz' quanto i am old 'sou velho', o Kipeá parecia possuir um sistema híbrido, onde em alguns casos o verbo BA era usado para denotar a ação de 'estar, viver, morar', mas em outros, principalmente em frases interrogativas, tal verbo era ignorado, portanto não se diz algo como 'onde você está ?', apenas diz-se 'onde tu ?', o Peagaxinã replica tal sistema, visto que o verbo BA também existe nessa língua, portanto:
1) Wa wado ba mó krì kóhô = 'eu estou em casa esta' > 'estou nessa casa' ou 'eu moro nessa casa'
Porém
2) Mó-pa kaliza nókóhô ? = 'onde tu agora ?' > 'onde você está agora ?'
Autor da matéria: Suã Ari Llusan
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