Wakonã (frase reconstruída):
[ti=sê] [sô-ri=sê] [wa/ba mâ]
[3.ERG-1SG.DAT] [dar-PERF.=1SG.DAT] [1SG DAT]
'ele(a) me deu'
Panará (Bardigal-Mas, 2018, p. 139):
[mãra hẽ] [ti=kjẽ=sõ-ri] [ῖkjẽ mã]
[ele/ela ERG] [3.ERG=1SG.DAT=dar-PERF.] [1SG DAT]
‘ele(a) me deu’
Primeiro de tudo, peço perdão pelo uso da terminologia técnica acima, precisei colocar assim para organizar minha mente melhor sobre as funções da frase, abaixo explicarei o que significa cada coisa de forma mais simplificada. Notei algumas discrepâncias entre as gramáticas do Panará moderno e o Wakonã documentado, que refletem um sistema comum, mas que já haviam se separados por, no mínimo, alguns séculos.
Baseado na frase *kalicê bêlêtsiê báskíô*, eu percebi que o modelo de frase é quaaaaaase igual, mas tem algumas coisas que parecem que um dos dois lados inovou, infelizmente não sei dizer qual. O Wakonã é S-V-O (Sujeito-Verbo-Objeto), que para quem não sabe, é a ordem que conhecemos do português (‘eu (S) como (V) mandioca (O)’ por exemplo). Ele não marca os clíticos (quase a mesma coisa que um prefixo, como em pré-pago ou pré-natal) no verbo como no Panará, e sim usa eles em um bloco separado especificamente para o sujeito (aquele que faz a ação dentro de uma frase), isso o diferencia do Panará por que, no Panará, existe a marcação do sujeito primeiro (mãra hẽ 'ele(a) ERG', literalmente quer dizer ‘por causa dele(a)’) e depois eles marcam os clíticos no verbo (ti=kjẽ=sõ-ri '3.RLS=1SG.DAT=dar-PERF.', tudo isso significa que ‘ele(a) para mim dar no passado’, ou seja, ‘ele(a) me deu’).
O Wakonã faz isso diferente, marcando apenas o tempo (presente/passado (realis) ou futuro/imperativo (irrealis)) e o sujeito e objeto da frase, como em ti=se ‘3.ERG=1.DAT’, que como vimos acima, ergativo significa ‘por causa de alguém’ (nesse caso ele(a), pois 3 = terceira pessoa (ele, ela)) e dativo significa ‘para alguém’ (nesse caso eu, pois 1 = primeira pessoa (eu)), portanto ‘por causa dele(a) para mim’. Fica esquisito, né ? Falta o verbo nesse caso, que é o próximo tópico.
O Wakonã faz mais uma coisa que o Panará não faz, ele marca o objeto da frase (a pessoa que sofre a ação), novamente, no verbo, como sufixo, ao invés de marcar o sujeito da frase, pois o sujeito só pode surgir no primeiro bloco (no ti de ti=sê e no li de ka-li-cê da frase de Antunes), a gente vê isso em bêlê-tsiê, que repete esse tsiê, que é visto como -cê em ka-li-cê, os dois significam ‘para mim’.
As duas línguas possuem um bloco de conjugação dedicado ao objeto, que é sempre o último aspecto da frase (visto que são línguas SVO). Mesmo ele tendo sido marcado de forma fraca nos dois primeiros blocos, é obrigatório marcá-lo em seu próprio bloco, no Panará é ῖkjẽ mã ‘para mim’ e no Wakonã, de acordo com baskíô, que parece usar um sistema de realis/irrealis idêntico ao Apinajé, seria wa/ba mâ ‘para mim’ (wa e ba são duas possíveis pronuncias do pronome ‘eu’).
Autor da matéria: Ari Llusan
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