Na aldeia Kariri-Xocó, desde tempos que os mais velhos não sabem contar, existe um costume que atravessa as gerações como o próprio rio que serpenteia a mata. Quando alguém parte desta vida, a família do finado acende uma fogueira na porta de sua casa, uma chama que ilumina a noite e aquece as memórias.
Assim foi com o velho Aruanã, que naquela tarde descansou sua última vez sob a sombra da gameleira. Quando a noite caiu, a fogueira já ardia firme diante de sua porta. Um a um, os membros da tribo começaram a chegar, como se atraídos pelo calor das brasas e pelo chamado silencioso do finado.
Entravam na casa e ali ele estava, estendido na sala, com os pés apontando para a porta — sinal de que sua alma havia partido e jamais retornaria ao mundo dos vivos. Ninguém falava alto; apenas os olhos se cruzavam, e os passos lentos cercavam o corpo, respeitosos, atentos ao rito que se cumpria.
Do lado de fora, ao redor da fogueira, o povo se acomodava como mandava a tradição: uns traziam cadeiras de madeira, outros esteiras para se deitarem junto às crianças. Alguns preferiam permanecer em pé, sentindo o calor do fogo misturado ao frio da madrugada.
E então começava a roda de histórias.
Falavam de Aruanã como ele fora: forte nas pescarias, habilidoso na roça, incansável nos mutirões e caçadas que enfrentava mata adentro. Os mais velhos, companheiros de sua juventude, lembravam as travessuras de menino, os primeiros trabalhos, os cantares nas festas, as lutas e os feitos que marcaram sua vida entre o povo.
Enquanto isso, a família cuidava dos que ali velavam. Colocavam o café para ferver sobre o fogo, serviam pães e entregavam os canecos de alumínio, onde o café fumegante espantava o sono e aquecia o corpo — “bofes quentes”, como gostavam de dizer.
O terreiro se enchia. Uns resistiam ao sono contando causos, outros, vencidos pelo cansaço, adormeciam sobre as esteiras junto às crianças embaladas pelo crepitar das chamas. E assim a noite seguia, até que, aos poucos, a escuridão dava lugar ao primeiro brilho do dia.
Quando o Sol começava a nascer, todos sabiam: era hora de ir para casa, tomar banho e se preparar para acompanhar o morto em sua última caminhada até a terra.
Na aldeia, ninguém via a "Fogueira do Morto" apenas como um momento de tristeza. Era, antes, um tempo de lembrança, de memória viva. Ali, ao redor do fogo, se celebrava não apenas a morte, mas a vida que Aruanã deixara marcada na cultura da tribo — seja pela sua luta, pela arte, pelo canto, pela dança, ou simplesmente pelo fato de ter sido quem foi: um homem, com virtudes e falhas, mas que, como as brasas daquela fogueira, jamais seria totalmente apagado.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
Consultado por meio da ferramenta ChatGPT (OpenAI), inteligência artificial como apoio para elaboração do trabalho da capa no dia 27 de maio de 2025
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