Antes que a terra firme existisse, antes que qualquer criatura respirasse o ar, havia apenas o mundo espiritual: Raddanhy, tecido de luz, silêncio e eternidade. Foi ali que Çasonsé, o criador primordial, despertou do seu repouso de milênios e, com um sopro, fez nascer os Anhy, espíritos sagrados que se tornaram Diméanhy, os "donos das espécies".
Um a um, eles desceram para Raddasané, a terra material que ainda era informe e adormecida. Dos dedos de Çasonsé brotaram as árvores e seus frutos, os rios e suas correntezas, os peixes, os ventos, as serras, o sol e a lua, as estrelas que vigiam a noite.
Mas, antes de tudo isso, quando ainda só as águas corriam livres pelo vazio, ali surgiu ela — Dzutidzí, a Mulher da Água.
Tinha a forma de uma mulher, mas era feita de correnteza e espuma, de reflexo e mistério. Seu canto era o murmúrio das águas caindo sobre as pedras. Seu corpo, um véu translúcido que ondulava junto com o fluxo do mundo.
Certa vez, ao contemplá-la dançando nas águas profundas, Çasonsé falou com voz que reverberou pelos quatro cantos de Raddanhy:
— Dzutidzí... tu és a primeira entre todas as formas. Guardiã das águas, Senhora do fluxo eterno. O que desejas que te conceda?
Dzutidzí emergiu lentamente, as gotas escorrendo de seus cabelos líquidos, e respondeu com voz suave como o orvalho:
— Que eu nunca seja esquecida, que minha canção se confunda com o canto dos rios, e que, mesmo quando os homens caminharem sobre a terra, eles ouçam minha presença e saibam que a vida veio de mim.
Çasonsé sorriu, e o céu se iluminou com o primeiro raio de sol.
— Assim será, Dzutidzí. Teu nome ecoará por todas as culturas, sob muitos nomes, mas tua essência será sempre a mesma. Os homens te chamarão de Yara, Mãe d'Água, e saberão que a primeira mulher veio de ti, das águas sagradas.
Dzutidzí então mergulhou, fazendo um som que percorreu as entranhas do mundo: um estalo aquático, como o bater de um coração recém-criado.
Desde então, Dzutidzí nunca mais esteve só. De sua essência, surgiram as Senhoras das Águas, uma grande família de espíritos femininos que povoaram os mares, rios, lagos, lagoas e até mesmo as nuvens carregadas de chuva.
Elas passaram a alimentar as florestas, a sustentar os animais, a manter o pulso vital da terra. Quando o homem enfim foi criado, encontrou as águas já povoadas por esses seres, invisíveis aos olhos, mas eternamente presentes.
O Primeiro Encontro
Conta-se que muito tempo depois, quando as primeiras aldeias surgiram à beira dos rios, um jovem caçador chamado Arawê caminhava pela mata. Era um dia quente, e ele buscava água para matar sua sede. Seguindo o som de uma cascata escondida, encontrou uma lagoa de águas límpidas e profundas.
Ajoelhou-se para beber, mas, ao olhar o reflexo da superfície, viu, espantado, o rosto de uma mulher desconhecida e bela, cujos olhos eram profundos como o próprio rio.
Do meio das águas, a figura emergiu, envolta em fios de água e luz. Era Dzutidzí.
Arawê ficou paralisado, incapaz de se mover ou de desviar o olhar. Dzutidzí então falou, com uma voz que parecia o som do vento entre as folhas e da água sobre as pedras:
— Por que vens até mim, homem da terra?
O caçador, com o coração batendo como o tambor da aldeia, respondeu:
— Busco água para viver… mas não sabia que aqui habitava um espírito.
Dzutidzí sorriu suavemente e estendeu a mão, deixando cair algumas gotas sobre a cabeça do homem:
— Agora sabes. E deves lembrar: a água é vida, mas também é sagrada. Respeita-a, e tua aldeia terá fartura. Maltrata-a, e conhecerás a sede.
O caçador inclinou a cabeça em reverência e, quando voltou a erguer os olhos, Dzutidzí havia desaparecido, como se nunca tivesse estado ali.
Mas Arawê sabia: a partir daquele dia, ele e todos os seus descendentes carregariam a memória daquele encontro. Assim, ensinaram aos filhos e aos filhos de seus filhos a reverenciar a água como mãe, como origem, como espírito.
E até hoje, quando a chuva cai ou a correnteza se apressa, os mais velhos contam: "Dzutidzí ainda vive, cuidando do mundo, como no princípio de tudo."
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
Consultado por meio da ferramenta ChatGPT (OpenAI), inteligência artificial como apoio para elaboração do trabalho da capa no dia 29 de maio de 2025.
Nenhum comentário:
Postar um comentário