Nos tempos imemoriais, quando o céu ainda conversava diretamente com a terra e os rios ensinavam seus segredos aos homens, os Povos Originários caminhavam em perfeita harmonia com tudo que existia. Cada planta, cada fruto, cada raiz era mais que alimento: era espírito, era vida, era cura. E sobre cada uma dessas criaturas vegetais reinava, invisível e poderoso, o Diméanhy — o Espírito Guardião das Espécies.
Assim, antes que qualquer fruto fosse colhido, o homem da floresta, a mulher do rio, a criança da aldeia, parava, respeitava, pedia:
“Diméanhy, permita-me nutrir do teu dom, para que eu siga forte, para que eu siga digno.”
E o Espírito, satisfeito com a reverência, abria os poderes da saúde e da cura contidos no âmago de cada fruto. Assim foi, desde o nascimento do primeiro povo até os dias em que os ventos começaram a anunciar a chegada dos estrangeiros.
E então, um dia, vieram os Karaí, os Homens do Velho Mundo, navegando em troncos ocos que rasgavam o mar como lanças feitas de sal. Vieram não apenas com suas armas e seus metais, mas também com sementes, mudas e alimentos jamais vistos na terra dos ancestrais.
E a floresta conheceu a manga, a maçã, a uva e a jaca; o repolho, o arroz, a cenoura, a cebola, o alho, a beterraba, a laranja.
Frutas e legumes de cores flamejantes, de formas estranhas, de aromas desconhecidos. Os olhos dos mais velhos se estreitaram, os pajés consultaram os espíritos, os jovens observaram em silêncio.
“Onde estão os Diméanhy destas novas espécies?”, perguntavam-se os sábios em meio às danças do fogo e ao cântico dos maracás.
Não havia resposta imediata, pois os Espíritos Guardiões não se revelam facilmente. Sabiam os Povos Originários, desde sempre, que o verdadeiro poder do alimento reside na permissão do espírito que nele habita.
Foi então, nos sonhos e nas visões, nas folhas que sussurram quando o vento passa, que os sábios compreenderam: aquelas plantas não estavam órfãs. Não. Elas também possuíam seus guardiões, mas estes não eram conhecidos pelos povos da floresta. Eram os Utudjekaraí — “Os Donos das Frutas e Legumes dos Brancos”.
Espíritos estranhos, distantes, vindos com os Karaí, acompanhando cada semente, cada raiz, protegendo, ocultos, os mistérios de suas espécies.
Assim, os Povos Originários souberam que para alimentar-se daqueles novos frutos, não bastava o desejo ou a fome. Seria necessário, como sempre foi, o respeito, a reverência, o tempo. Pois o elo espiritual não se impõe: constrói-se com paciência, com humildade, com aprendizado.
E assim se fez.
Os filhos da floresta aprenderam a reconhecer os sinais dos Utudjekaraí, a decifrar os sussurros das novas folhas, a compreender o espírito escondido no âmago da fruta desconhecida. Antes de comer, ajoelhavam-se, estendiam as mãos para o céu e diziam:
“Utudjekaraí, espírito dono desta espécie, permita-me nutrir da tua força, para que eu viva, para que eu honre.”
E, uma vez mais, o poder da cura e da saúde se derramava sobre os corpos e os espíritos dos Povos Originários.
Assim, o mundo antigo e o mundo que chegava não se enfrentaram apenas com o ferro e o sangue, mas também se encontraram no mistério invisível da espiritualidade, onde cada fruto carrega um espírito e cada homem carrega uma história.
E a Terra continuou a girar, sob a proteção silenciosa de todos os guardiões — os Diméanhy e os Utudjekaraí — mantendo vivo o sagrado pacto entre os humanos e o mundo vegetal.
E assim foi, assim é, e assim será enquanto houver quem respeite e quem invoque os Espíritos Donos das Espécies.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
Consultado por meio da ferramenta ChatGPT (OpenAI), inteligência artificial como apoio para elaboração do trabalho da capa no dia 29 de maio de 2025.
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