Na beira do rio Opara, onde as águas correm eternas, a aldeia repousava sob o céu estrelado, mas naquela noite o repouso não existia. Era tempo de toré, de festa, de resistência. A ave jacu era quem anunciava o amanhecer; os Kariri a chamavam de poeba, símbolo da fartura. Quando os brancos derrubaram as florestas e trouxeram o galo de Portugal, o galo dos brancos chamamos sabucá, que quando canta também anuncia o amanhecer, mas lembramos do sofrimento que passamos.
O fogo ardia no meio da praça, crepitando, lançando fagulhas ao vento como pequenas estrelas terrenas. Homens, mulheres, velhos e crianças dançavam, batendo os pés descalços na areia quente. O maracá ecoava firme, ritmando os corpos que giravam em círculos ancestrais. Entre eles, destacava-se a pequena Tainá, de apenas nove anos, que pela primeira vez participava do toré durante toda a noite.
— Mamãe, quando o galo cantar, o que vai acontecer? — perguntou, curiosa, ao segurar firme a mão da mãe, Iandara, enquanto ambas giravam na dança.
Ela sorriu, ajeitando os fios longos e negros que se soltavam do cocar.
— Quando o galo canta, filha, é o Sabucanheyé anunciando que o dia vai nascer. O toré acaba, mas a nossa luta continua…
Tainá franziu a testa, sem entender bem o que significava aquela "luta". Para ela, tudo ali era apenas festa, alegria, canto.
O toré inicia logo cedo após a lua nascer, para cantar a noite toda requer muito esforço na garganta e resistência para dançar. Da aldeia vem vários cantadores de toré: Tinga, Seregê, Itapó, Suré, Giriçá, Thydjo, acompanhado por mulheres também Indaiá, Soyá, Neci, Anaçé e outras mais. Primeiro que canta é o dubuerí "mestre" Tinga junto com Itapó. Na madrugada o velho cacique Seregê com Suré sua voz forte, conduzia o canto ancestral, entoando na língua Kariri que poucos ainda dominavam:
"Sabucá pidé wonhé, mó mecá caraytsí, hí wí hí, homodí, wí ucá teudiokié."
O galo está cantando… É sinal de amanhecer… Eu vou embora… Vou amar… E lutar…
A melodia vibrava na noite, misturando-se ao som dos maracás, dos passos e do fogo. Mas nas entrelinhas do canto, escondia-se a memória de séculos de resistência, de dor, de esperança.
Ao redor, os mais velhos dançavam com um brilho nos olhos. Era mais do que celebração da colheita do milho e do feijão, mais do que festa de São João ou de Nossa Senhora da Conceição. Era um ato de sobrevivência, um grito silencioso contra os tempos de exploração, quando seus ancestrais foram arrancados das terras, forçados ao trabalho exaustivo.
Iandara, com os olhos marejados, puxou a filha para mais perto.
— Filha, a gente dança para lembrar quem somos. O toré é nossa vida. Mas também é nossa coragem.
Tainá olhou para a mãe, depois para o céu, onde as estrelas começavam a se apagar lentamente.
De repente, no meio do mato, o som esperado: o canto forte e solitário do galo. Sabucanheyé!
— Ele cantou! — gritou Tainá, rindo, apontando para o horizonte.
O cacique Seregê parou por um segundo, ergueu as mãos em direção ao céu que clareava, e todos se calaram. O silêncio foi cortado apenas pelo galo, que, do outro lado da aldeia, insistia em anunciar o novo dia.
— É o chamado… — murmurou Arapoty. — O dia nasce e com ele, nasce mais uma vez nossa força.
Os olhos de todos se voltaram para o leste, onde o sol surgia, tímido, tingindo de dourado a copa das árvores e o curso do rio. A brisa da manhã trouxe o cheiro fresco da mata molhada.
Mas junto com a beleza daquele amanhecer, vinha também a lembrança do trabalho que os esperava: a roça, o barro, o suor. Ainda hoje, apesar da luta, muitos da aldeia sofriam para manter viva sua cultura, enquanto aguardavam, com esperança, a homologação das terras — promessa de dignidade, de paz, de dias melhores.
O cacique então, com voz grave e serena, finalizou o canto:
"Eu vou amar… E lutar…"
Tainá apertou mais forte a mão da mãe.
— Eu também vou lutar, mamãe?
Iandara sorriu, emocionada.
— Sim, minha filha. Sempre. Amar e lutar: é o que nos mantém vivos.
E assim, enquanto o sol subia e o galo seguia cantando ao longe, a aldeia encerrava mais uma noite de toré. Mas ali, naquele chão sagrado, entre o canto, o amor e a luta, os Kariri-Xocó continuavam sendo quem sempre foram: povo da terra, do rio, da dança e da esperança.
O galo, lá longe, cantou mais uma vez, como quem dissesse: não parem, continuem…
E eles continuaram a tradição até hoje.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
Peça Teatral: SABUCANHEYÉ, O GALO QUE ANUNCIA O AMANHECER
Personagens:
NARRADOR(A) – voz que conduz o público, situando o tempo e o espaço.
TAINÁ – menina indígena de 9 anos.
IANDARA – mãe de Tainá.
CACIQUE SEREGÊ – ancião da aldeia.
ARAPOTY – homem mais velho, conselheiro.
TINGA, SEREGÊ, ITAPÓ, SURÉ, GIRIÇÁ, THYDJO – cantadores de toré.
INDAIÁ, SOYÁ, NECI, ANAÇÉ – mulheres cantadoras.
VOZ DO GALO (SABUCANHEYÉ) – som gravado ou um ator escondido que produz o canto.
Membros da aldeia – homens, mulheres, crianças, que dançam e cantam.
ATO ÚNICO
Cena 1 – A Praça da Aldeia, à noite
(Luzes quentes simulam o fogo no centro do palco. Sons de maracás, passos na areia, e cantos ancestrais. O NARRADOR entra, a cena é viva: dança, celebração, resistência.)
NARRADOR(A):
Na beira do rio Opara, onde as águas correm eternas, a aldeia repousava sob o céu estrelado, mas naquela noite… o repouso não existia.
(O fogo — real ou simbólico — crepita. O povo dança o toré, com maracás e pés descalços. Tainá dança ao lado de sua mãe, Iandara.)
TAINÁ (olhando para a mãe):
Mamãe… quando o galo cantar, o que vai acontecer?
IANDARA (sorrindo e ajeitando o cocar):
Quando o galo canta, filha… é Sabucanheyé o Sabucá anunciando que o dia vai nascer. O toré acaba, mas… nossa luta continua…
(Tainá olha em volta, tentando entender.)
Cena 2 – A Dança do Toré
(Entram os cantadores: Tinga, Seregê, Itapó, Suré, Giriçá, Thydjo. As mulheres: Indaiá, Soyá, Neci, Anaçé. Todos entram dançando e cantando.)
NARRADOR(A):
O toré começa logo após a lua nascer… Canta-se a noite toda… É preciso resistência.
(Tinga e Itapó entoam os primeiros cantos. Mais tarde, o velho Cacique Seregê e Suré conduzem o canto ancestral, em língua Kariri.)
CACIQUE SEREGÊ e SURÉ (cantando, em uníssono):
Sabucá pidé wonhé… mó mecá caraytsí… hí wí hí… homodí… wí ucá teudiokié…
(O galo está cantando… é sinal de amanhecer… Eu vou embora… Vou amar… E lutar…)
(O público sente a força ancestral do canto. Todos dançam em círculo, vibrantes.)
Cena 3 – O Significado da Luta
(Tainá para um instante, cansada, e segura a mão da mãe.)
TAINÁ (confusa):
Mamãe… o que é essa “luta”?
(Iandara, emocionada, segura a filha nos braços.)
IANDARA:
Filha… a gente dança para lembrar quem somos.
O toré é nossa vida… mas também é nossa coragem.
(Tainá observa os mais velhos dançando com orgulho.)
NARRADOR(A):
Não era só celebração da colheita… Era um ato de sobrevivência… Um grito silencioso contra os tempos de exploração…
(Luzes diminuem um pouco, focando apenas em Tainá e Iandara.)
Cena 4 – O Canto do Galo
(De repente, ouve-se ao longe o canto do galo: SABUCANHEYÉ! — grave e forte. Todos congelam por um segundo.)
TAINÁ (gritando, alegre):
Ele cantou!
(Todos olham para o horizonte, onde as luzes começam a se tornar douradas, simulando o nascer do sol.)
CACIQUE SEREGÊ (erguendo as mãos):
É o chamado…
(Silêncio, exceto pelo canto repetido do galo.)
ARAPOTY (murmurando):
O dia nasce… e com ele… nasce mais uma vez nossa força.
(Luz dourada enche o palco. Todos olham para o leste.)
Cena 5 – O Encerramento e o Compromisso
(O cacique Seregê finaliza, com voz grave e solene.)
CACIQUE SEREGÊ (cantando, final):
Eu vou amar… e lutar…
(Tainá segura forte a mão da mãe.)
TAINÁ:
Eu também vou lutar, mamãe?
IANDARA (com ternura):
Sim, minha filha. Sempre.
Amar… e lutar…
É o que nos mantém vivos.
(Todos se reúnem ao centro do palco, formando um círculo. O canto do galo ecoa uma última vez, ao longe.)
NARRADOR(A):
E assim, enquanto o sol subia e o galo seguia cantando, a aldeia encerrava mais uma noite de toré…
Mas ali… naquele chão sagrado… entre o canto, o amor e a luta…
Os Kariri-Xocó continuavam sendo quem sempre foram:
Povo da terra… do rio… da dança… e da esperança…
(O fogo vai se apagando aos poucos. A luz do dia predomina. Todos saem lentamente, deixando apenas o som do rio ao fundo.)
(Fim.)
Observações de encenação:
Música ao vivo: Sempre que possível, usar maracás, cantos e instrumentos reais.
Cenografia: Elementos naturais, troncos, folhas, areia no chão.
Iluminação: Predomínio de luzes quentes e douradas, com transição da noite para o amanhecer.
Vestuário: Cocar, vestes tradicionais Kariri-Xocó, adornos.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
Adaptação teatral por meio de ChatGPT (OpenAI) como apoio para elaboração do trabalho da capa no dia 30 de maio de 2025.
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