Como o título diz, temos dois verbos que significam 'haver', que são dsoho 'existir, haver' e wa/wan 'haver', qual seria exatamente a função distinta dos dois ? Explicarei aqui suas etimologias e suas funções dentro das frases de nossa língua antiga, o Dzubukuá Clássico.
A palavra dsoho deriva de uma forma muito antiga que era ka-ka, uma reduplicação de uma raiz afirmativa muito conhecida dentro das línguas Arawak, sendo um prefixo em muitas delas para marca o atributivo, afirmativo e outras funções diversas. Na nossa língua, essa palavra evoluiu a partir das múltiplas lenições e palatalizações comuns da família Kariri, aqui está a sua evolução em ordem cronológica:
kaka > kaga > kyaga > txaga > tsaga > tsaɣa (ɣ = g holandês, parece um h de hey do inglês) > tsoɣo = dsoho
Esse morfema é cognato direto do sufixo -ka afirmativo do Puri-Coroado, que surge em construções compostas como -kahon e -kahü, que são formas de afirmação predicativa, ou seja, o mesmo que o nosso verbo "ser", como em tekua-kahon 'fazer as pazes' = tekua 'paz' + kahon 'ser'. Na nossa língua, dsoho tem função de marcar aquilo que existe, como no caso de seu uso no predicado possessivo, pois no Dzubukuá clássico, comparável ao que ocorre nas línguas celtas, o verbo haver não é usado para dizer que "eu tenho algo", no lugar disso, diz-se que "existe algo para mim", por exemplo:
Não diria: wan ibah idse 'eu tenho um carro', lit.: haver carro eu
Diria-se: dsoho ibah hi-ammy 'eu tenho um carro', lit.: existir carro eu-para
Sobre wan, a palavra é cognata do Puri-Coroado pa 'haver', que passou por nossas mudanças sonoras de p > w, a palavra é usada, em várias ocasiões, normalmente surge como verbo de resposta, principalmente quando responde o verbo dsoho, que serve para o predicado, vejam na imagem que coloquei o exemplo:
P: idsoho kedde dudsoholi ñimho dehem idsoho bamram ?
"P: houve por ventura alguém, que fizesse também a Deos para começar a ser ?"
R: wanddi, idsoho ñimho dinaho
R: "não houve, Deos existe por si mesmo"
Portanto esse verbo surge para responder, no Puri-Coroado, o seu cognato pa surge tanto como esse verbo quanto um sufixo de adjetivização, com o sentido de 'haver característica de', cujo talvez tenha surgido variadamente no Sapuyá, com a mesma função vista no Puri-Coroado:
gra-tze-ba-heh 'magro'
lit.: seco-natureza-haver-sim
lele-bo-hih 'fedorento'
lit.: sujeira-haver-sim
obs.: comparem o lele 'sujeira' com o Boróro ruru 'sujeira'
É difícil dizer se o Sapuyá está preservando aspectos que tinhamos em comum com os Puri-Coroado ou se, por sua posição geográfica na Bahia, estarem próximos de territórios históricos de populações relativas dos Puri-Coroado. Seja o que for, creio que nova estrutura merece uma publicação própria, que é exatamente a publicação que vai vir depois desta.
Autor da matéria: Ari Suã Kariri
Nenhum comentário:
Postar um comentário