Os tempos mudaram, mas o espírito de Tarobá permaneceu como raiz firme na terra antiga. Nas aldeias organizadas pelos padres, os fogos eram acesos de forma diferente, os cantos ensinados em outra língua, e os corpos, por vezes, cobertos por roupas que sufocavam os traços da liberdade.
Mas dentro dos olhos dos mais velhos, ainda brilhava a luz do Opara.
Tarobá, agora ancião, caminhava com um bastão entalhado com desenhos do tempo antigo. Onde passava, deixava palavras como sementes: ensinava as crianças a reconhecer o nome das plantas, os ciclos da lua, os sons do tambor e a força da pintura no rosto.
Os mais jovens, filhos de várias nações reunidas, escutavam como quem bebe água sagrada. Ali não era mais apenas o povo Natu — era um novo povo feito da união: Kariri-Xocó. Cada nome era uma memória, cada reza um elo com os ancestrais.
Os padres viam Tarobá como um velho teimoso. Ele, no entanto, via os padres como folhas de estação: vinham e iam. Já o tronco da árvore sagrada, esse ficava.
Certa noite, um sonho o visitou. No céu avermelhado, uma grande serpente de luz dançava sobre o Opara. Ela cantava em língua ancestral:
— “Quem nomeia o rio não o domina. O nome verdadeiro vive no coração dos que resistem.”
Tarobá despertou com os olhos marejados. Reuniu os pajés e os guerreiros, e diante da juventude reunida, disse:
— Vamos levantar nosso povo. Cantar nossa história. Pintar nossos corpos com as cores da lembrança. Se quiserem rezar, que rezem também com o maracá na mão. A fé que não escuta a raiz é folha seca.
A aldeia, naquele dia, se encheu de cantos, danças e memória viva. As línguas dos antepassados se encontraram no mesmo tambor. E o velho Tarobá, diante do fogo, olhou para o céu e murmurou:
— Que o Opara leve minha alma, quando for a hora. Mas deixarei aqui minha canção.
E assim, nascia o canto que não morre. O canto que hoje vive em cada Kariri-Xocó, filho da união, do suor e da esperança.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
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