Que os ventos ancestrais abençoem este conto,
Que a força da terra o sustente,
Que as águas o levem adiante,
E que o fogo sagrado do espírito indígena nunca se apague.
Que toda palavra aqui dita renasça como semente,
E floresça como árvore no coração de quem ouvir.
No alvorecer dos tempos, quando os ventos sopravam livres sobre a floresta infinita e os rios corriam serenos como veias da Terra, os povos originários viviam em perfeita harmonia com tudo que respirava, rastejava, nadava ou voava.
As árvores frondosas, com copas que tocavam o céu, ofereciam abrigo e alimento; os peixes dançavam nas águas cristalinas, seguindo o compasso do tempo; as roças, abençoadas pelo espírito da chuva e pelo calor generoso do sol, brotavam fartas, alimentando corpos e almas.
Mas então, o mar, outrora apenas horizonte distante, cuspiu os Karaí, os homens brancos. Eles não ouviram o sussurro das folhas nem compreenderam a língua dos rios. Vieram armados com ferro e fogo, derrubaram árvores milenares que guardavam a memória da floresta, envenenaram as águas sagradas, aprisionaram os ventos e asfaltaram a terra.
O mundo, antes pleno e orgânico, se fragmentou.
Foi nesse tempo de transição e dor que nasceu Wãmyrá, cujo nome significa "Peixe Dançador", do povo Kariri-Xocó, criatura que, como ele, deslizava entre mundos com graça e resistência. Wãmyrá era filho da terra vermelha, do som dos pássaros e do perfume das flores silvestres; conhecia o segredo do voo das araras e a dança das antas na beira do rio.
Mas a fome e o cerco aos territórios obrigaram-no a uma escolha difícil: partiria da aldeia, deixando para trás a mata onde seu espírito se forjou, para buscar o sustento de sua família no mundo dos Karaí.
Antes de partir, ajoelhou-se à beira do grande rio, tocou a água fria, ouviu a última canção do sabiá, e prometeu que a floresta, embora distante, jamais seria esquecida. Levou consigo o que nenhum invasor poderia destruir: seu cocal de penas — fragmentos das aves que guardavam os céus; sua maracá — o eco dos trovões e do balançar das folhas; o cachimbo — feito da argila sagrada que o vento e a água moldaram; e sua sabedoria — herança dos antigos, que escutaram a voz da terra desde o começo do mundo.
Ao adentrar as cidades de concreto e fumaça, Wãmyrá parecia um ser de outro tempo. Os homens das máquinas e dos prédios de ferro se assombraram com sua presença. Queriam ver de perto aquele que carregava na pele o tom da terra e, nos olhos, o brilho dos rios.
E Wãmyrá, mesmo longe da mata, permaneceu firme: não tirava o cocal da cabeça, que agora era sua morada espiritual. Quando agitava a maracá, fazia vibrar o som do vento cortando as copas das árvores; quando fumava o cachimbo, evocava a névoa das manhãs na floresta; quando contava histórias, ressuscitava jaguatiricas, capivaras, tamanduás, e os cantos ancestrais do toré ressoavam, mesmo entre muros frios e estradas de asfalto.
Porém, em meio aos aplausos e à curiosidade, Wãmyrá sentia a ausência latejante dos rios que conhecia pelo nome, das trilhas que seus pés descalços sabiam de cor, do cheiro da terra molhada após a chuva.
E num entardecer, quando o céu se tingia com as cores que só a floresta sabia pintar, Wãmyrá ergueu sua maracá e, com a voz carregada de saudade e força, cantou:
“Tçambusebé erá, buibú keru, paewí sambéá”
"O cocal é minha casa, a maracá meu coração, o cachimbo um instrumento de união."
As árvores invisíveis, os rios calados e os ventos ausentes o escutaram.
Cumprida sua missão entre os homens do asfalto, Wãmyrá retornou à aldeia, trazendo não apenas recursos para o sustento de sua gente, mas também novos saberes sobre o mundo que o cercava e amigos que acreditaram na sua causa.
Ali, de volta à floresta, o vento voltou a cantar para ele, as águas o saudaram com peixes saltando em festa, e as árvores se curvaram, reconhecendo o retorno do filho da terra.
Wãmyrá, o Peixe Dançador, tornara-se mais que homem: era agora lenda viva, guardião do cocal e da memória ancestral, ponte entre mundos, defensor da floresta e do seu povo.
Que as palavras de Wãmyrá voem como sementes levadas pelo vento,
Que seu canto ecoe entre as árvores e corra com os rios,
E que sua história jamais se perca, enquanto houver alguém que a conte,
E alguém que a escute, com o coração aberto para a floresta e seus mistérios.
Assim seja, assim se ouça, assim se viva.
Autor: Nhenety Kariri-Xocó
Consultado por meio da ferramenta ChatGPT (OpenAI), inteligência artificial como apoio para elaboração do trabalho da capa no dia 29 de maio de 2025.
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