sábado, 7 de junho de 2025

BEMYDJÉRETÓ — A Jornada do Colar Vivo







Como os colares dos povos indígenas guardam histórias de vida, saberes e conquistas?

No povo Kariri-Xocó, existe o BEMYDJÉRETÓ — o Colar da Memória. Inspirado por um texto de Nhenety Kariri-Xocó, este conto nos conduz numa jornada onde tradição e tecnologia se encontram, mostrando que a verdadeira memória vive nos gestos e nas histórias que compartilhamos. Leia e descubra.


Um conto sobre o colar que guarda a memória viva do povo Kariri-Xocó e o elo entre tradição e modernidade.



Introdução



No universo simbólico dos povos indígenas, os colares não são simples adornos: são testemunhos vivos das histórias, conquistas e saberes que cada pessoa carrega.


No povo Kariri-Xocó, esse colar chama-se BEMYDJÉRETÓ — o Colar da Memória.


Inspirado em um texto de Nhenety Kariri-Xocó, este conto recria a jornada de um jovem guerreiro que aprende a trilhar o caminho da memória viva, em tempos de tradição e de transformação digital.


O Conto


No tempo em que a palavra era ensinada ao pé do fogo, quando as estrelas ainda eram lidas como um grande livro no céu, havia um jovem chamado Aranã, da Nação Kariri-Xocó.


Desde menino, seus olhos eram atraídos pelos colares dos guerreiros e anciãos. Não eram simples adornos, mas verdadeiros pergaminhos vivos. Um dente de onça, uma pedra azul, uma semente rara: cada elemento carregava uma história de coragem, sabedoria ou serviço à comunidade.


O mais belo desses colares pertencia a seu avô, Txopã, grande caçador e mestre da floresta. Numa noite de lua cheia, Aranã, já tomado pelo desejo de um dia portar um colar como aquele, perguntou:


— Avô, como se conquista um colar desses?


O velho sorriu e respondeu:


— Não se compra, não se pede. Cada peça só vem ao pescoço de quem a mereceu com verdade. A cada ato importante para o nosso povo e para a vida, um novo símbolo pode ser adicionado. Mas cuidado: quem coloca no colar um feito pequeno, será visto como pequeno. Nosso colar é a memória viva de quem somos.


A partir daquele dia, Aranã iniciou sua jornada de merecimento.


Partiu com os caçadores, aprendeu a seguir rastros, a ouvir o silêncio da floresta. Em uma caçada difícil, conseguiu ajudar a abater uma anta. Participou da partilha, mas sabia que ainda não era hora de um grande dente em seu colar.


Depois, foi com os pescadores. No grande rio, capturou um peixe raro e recebeu como reconhecimento um pequeno osso polido, que o pajé lhe autorizou a pendurar ao pescoço.


Nos anos que se seguiram, Aranã não buscou proezas por orgulho. Com humildade, foi aprendendo as artes da cura, da coleta e da palavra. Ao salvar uma criança doente com um remédio extraído da Árvore do Vento, o pajé lhe entregou uma semente reluzente. Com reverência, Aranã a pendurou no colar.


O tempo avançava, e o mundo ao redor da aldeia também mudava. Estradas cortavam a mata, e as vozes da cidade chegavam às aldeias em sons e imagens desconhecidas.


Aranã foi enviado à cidade para estudar e ajudar seu povo a navegar aqueles novos tempos.


Ali, entre os prédios de vidro e as ruas de ferro, estranhou os "colares" modernos. Observava homens e mulheres com crachás, chaves de moto penduradas, celulares em cordões coloridos.


Em um congresso, viu um homem com um colar diferente: pequenas peças metálicas pendiam de um cordão.


— Amigo Sebastián, que colar é aquele? — perguntou.


Sebastián sorriu:


— São pen-drives. Guardam memória de computador: documentos, imagens, músicas, histórias.


Aranã ficou em silêncio. Percebeu que, mesmo entre os homens da cidade, o impulso ancestral permanecia: pendurar ao pescoço aquilo que nos lembra quem somos, o que sabemos, o que carregamos de valor.


Antes de voltar à aldeia, Aranã comprou um pequeno pen-drive. Nele, gravou registros das histórias do seu povo, canções antigas, imagens da floresta e a voz do avô.


Ao chegar, pediu licença aos anciãos e ao pajé. Explicou que aquele objeto, embora novo, continha a memória da aldeia para tempos futuros.


Com permissão sagrada, pendurou o pen-drive em seu colar, entre o osso do peixe e a semente da Árvore do Vento.


O velho Txopã, com olhos brilhantes, disse:


— Assim é o BEMYDJÉRETÓ. Não pertence a um tempo, mas a todos os tempos. Continua vivo porque nós continuamos vivos. A verdadeira memória não é o que se carrega, mas o que se vive e se compartilha.


E naquela noite, sob as estrelas, Aranã compreendeu que a sua jornada jamais teria fim, pois o colar vivo da memória sempre se renovaria com cada novo passo da história do seu povo.


Fechamento para oralidade


"Assim segue o BEMYDJÉRETÓ: não colar de um só tempo, mas de todos os tempos; não memória de um só homem, mas de um povo inteiro."



Nota do Autor


Este conto foi inspirado no texto original "BEMYDJÉRETÓ — Colar a Memória de Quem Somos", escrito por Nhenety Kariri-Xocó, do povo Kariri-Xocó de Porto Real do Colégio (AL).


Sua recriação em forma de narrativa busca valorizar e compartilhar com leitores de todas as culturas o saber ancestral do BEMYDJÉRETÓ — o Colar da Memória — como símbolo vivo da identidade, da história e da sabedoria dos povos indígenas do Brasil.


Nhenety Kariri-Xocó é contador de histórias oral e escrita, pesquisador e defensor da preservação da memória cultural dos povos originários.


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✨ "O Colar da Memória segue vivo. Cada história, uma semente de eternidade."

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Autor: Nhenety Kariri-Xocó 



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